segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Os dois lados do casamento

É um sábado quente, por volta das 4 da tarde. 3 amigas estão sentadas em uma praça de alimentação de um shopping center numa zona nobre de São Paulo. Elas falam alto e praticamente todas ao mesmo tempo. Carregam muitas sacolas e balançam os braços o tempo todo.

- E o vestido, heim Má?
- É! E o vestido???
- Ai, fui ontem escolher com a minha mãe. Foi difícil!
- Como que é?
- É! Como é que é? Conta!!
- Aposto que é tomara que caia.
- É sim! Ele é bem apertado aqui e tem uns enfeites aqui e aqui. Começa a abrir por aqui e vai até ali assim...
- Ai que lindo!
- Que lindo!
- Ai...

- E o buffet?
- É, conta! E o buffet?
- Já tá tudo certo! Tudo à base de frutos do mar. Saiu caro, mas vai ser chique. 6 tipos de canapés, 8 saladas, 5 pratos principas e 4 sobremesas. Ai, eles tem um canapé que vem com uma tortinha com camarão, tomate seco e gorgonzola que é uma coisa! Bastante bebidas também. Só quero ver os amigos do Paulinho dando vexame.
- Ai que delícia!
- Que delíííícia!
- Hmmmm...

- E o lugar, Má? Conta!
- É, conta!
- É uma chácara lá no Riacho Grande. Linda! Tem uma capela para a cerimônia e um salão enorme pra festa. Tudo decorado com orquídeas. Quando eu entrar na capela a banda vai tocar Imortal da Sandy e Júnior. Já pensou???
- Ai meu Deus!
- Ai!
- Que lindo!

- E a lua-de-mel?
- É! Conta! Conta!
- For-ta-le-za!
- Ai, que tudo!
- Nossa, que inveja!
- Pois é! Agora só me falta arrumar um sapato, maquiagem, vestido pra minha mãe, terno pro meu pai e pro Paulinho, encomendar as bebidas, terminar os convites, checar o número de garçons com o buffet, conseguir gente pra estacionar os carros, escolher um bolo, arrumar um fotógrafo...

No mesmo sábado, 3 amigos conversam num bar depois de uma partida de futebol e algumas cervejas. Um deles parece abatido, talvez pelo jogo, talvez pelo sol. Quem sabe?
- Quando mesmo que você casa, Paulinho?
- Daqui 3 semanas.
- Hmmm...
- Tá...

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Bairro Jardim

- Sargento, duas de nossas pipas foram abatidas pelo exército inimigo.

- Qual o paradeiro delas, soldado?

- Estão em rota de queda, senhor! Devem alcançar algum telhado na rua das Cerejeiras!

O bairro Jardim andava em guerra civil desde que o balão da turma do Fumaça tinha sido capturado pelo Capitão Montanha, do quarteirão de cima. "Caiu em nossos domínios, é nosso" pronunciou o Capitão, dando início ao maior banho de sangue já visto na pacata Santo André.

- Isso pede medidas urgentes! Cacá, Juninho, Bolinha, Feio e Ceará, vocês serão o batalhão Skittles! Vocês irão atacar por trás da padaria. Não esqueçam as granadas e os molotoves.

"Sim senhor", disseram todos em coro, menos Juninho. O negócio dele era o AK 47. Era mortal com ele, praticava desde os 4 anos.

- Meleca, Zé Beiço, Gaiato, Lilico e Ganso, formarão o batalhão Chokito! Vocês vão pela concessionária. Atirem em tudo o que demonstrar estar vivo. Precisamos dessas pipas de volta. Já perdemos muitas bolinhas de gude, se essas pipas caírem em mão erradas...

"Sim senhor", gritaram os soldados, prontos para darem suas vidas pelas duas preciosas pipas, que a qualquer momento poderiam cair nos telhados inimigos.

- Comandante, alguém aqui no rádio deseja falar com o senhor. Ele se auto-denomina "O Estranho" e diz que o senhor o conhece.

- É o líder dos mercenários. Os snipers que moram nos prédios. Não tenho nada a tratar com essa gente. Diga pra ele que - Antes que o Comandante Fumaça terminasse sua frase de efeito ele pôde ouvir o que seria o batalhão Chokito dando um grito seco, interrompido pelo som de uma explosão - As Dinamites! Aqueles malditos! E vendo os pedaços de seus fiéis soldados sendo lançados ao céu, tomou o walkie-talkie da mão do Tenente Mancha e disse a contragosto:

- Diz, seu verme.

- Bom, me parece que você acabou de perder cinco menininhas. O Montanha tá acabando contigo...

- O que você quer?

- Vou direto ao assunto. Eu tenho quatro homens espalhados emcima da cabeça de vocês. O Montanha me ofereceu dez caixas de torrone, um freezer cheio de sorvete e dezoito quilos de amendoim. Mas como eu gosto mais de você, preferi ouvir sua contra-proposta antes de tomar partido.

- Quem me garante que você tá falando a verdade?

- Tá vendo seu tenentezinho aí? Fumaça quase pôde ouvir o que fora sussurrado fora do alcance do rádio, mas concluiu rápido o que tinha sido. Em segundos a perna esquerda do Mancha tinha sido estraçalhada por um balaço de algo que só poderia ser um Steyr SSG-69, de fabricação austríaca. "Esse não vai poder jogar bola domingo, hahaha..." completou.

- Seu maldito. Você venceu. Você pode ficar com os chocolates, os chicletes e com metade dos salgadinhos.

- E as irmãs do Bocão! Quero as irmãs do Bocão!

- Tá bom, as irmãs do Bocão!

- É sempre um prazer fazer negócios com você "seu" Fumaça! Agora com licença, vou dar uma ajuda pras tuas menininhas ali perto da padaria. Espero as entregas às 11, e daí terá suas pipas. Pode acompanhar nosso trabalho da laje.

- Você vai seqüestrar as pipas?

- É só a minha promissória, fumacinha. Para o caso de você tentar ser tão sujo quanto realmente é! Câmbio e desligo.

Fumaça de posicionou no telhado de sua casa-bunker e observou tudo com seu binóculos. O batalhão Skittles já tinha perdido dois homens - Um tiro de bazuca vindo do telhado da Dona Marta explodira muito perto de Juninho, que perdeu o braço direito, e Bolinha fora surpreendido por dois pitbulls que mastigaram sem piedade pedaços de seu rosto e tronco, antes que Ceará pudesse dar cabo das feras. Os homens do Montanha se defendiam bem. Havia quatro homens defendendo a entrada da rua pela padaria, porém, em segundos, um a um caíra com tiros disparados pelas janelas dos Condomínios Anchieta e Panorama. Fumaça acompanhava ainda o desfecho da batalha com os olhos atentos quando algo lhe surpreendeu pelas costas. Sua língua sentiu um líquido denso, meio salgado e meio amargo. Era sangue. A facada devia ter atravessado as costelas, chegado ao pulmão talvez. Virou-se e viu Montanha, gargalhando ruidosamente.

- Maldito...

- Fumaça, quem diria, o grande estrategista militar precisa de uma retaguarda melhor. Mandou todos os seus homens e ficou desguarnecido. O que eu poderia esperar de um pivete de 13 anos? - e continuou sua gargalhada por alguns segundos, tempo em que Fumaça, quase sem forças, tirou do coturno seu fiel 38, que a esta altura da batalha só tinha uma única bala. Disparou contra Montanha atingindo seu rosto de raspão, rasgando seu olho direito. Urros de dor ecoaram pela rua das Cerejeiras. Fumaça reuniu o que ainda lhe restava de energia, arrancou a faca das próprias costas e voou em direção de Montanha. Eles caíram da laje para o quintal e lutaram como se o destino do mundo dependesse disso, até uma voz, algo supremo, algo que transcendia a força dos dois exércitos, intervir na batalha:

- Luquinhas e Serginho! Já pra dentro os dois!

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

A família de Pedrinho

Pedrinho tinha 25 anos e um hábito estranho: passar a madrugada assistindo programas de igrejas evangélicas na televisão aberta, muitas dessas vezes fumando um baseado, lendo alguma coisa, ou batendo papo na internet. Quando o programa era repetido, era visto sem som com algum álbum dos Beatles ou do Pink Floyd como trilha sonora.

Fazia isso há anos. Desde antes do "Vida ao Vivo", era sua melhor referência de tempo. A televisão às vezes mexe com a gente, é fantástico. Ele tinha acompanhado as diversas fases dos programas religiosos, com diferentes pragas, diferentes demônios. Diferentes discursos, inclusive. Aliás, tudo estava discaradamente diferente.

Foi numa madrugada de terça-feira sem sono que ele se surpreendeu. Num dos depoimentos ao vivo direto do maior hospício do mundo ele vê sua mãe em lágrimas. Ela narra uma história de vida sofrida, com números exorbitantes, com obstáculos inexistentes, mas que termina com graças alcançadas, números mais exorbitantes, carros, casa própria e volta por cima. Aliás, alguém já ouviu algum rico falar "casa própria"? Ligou pra casa da mãe na mesma hora.

- Alô?
- Mãe, o que é isso?
- Isso o quê?
- Na TV mãe! Você, na igreja! O que é isso?
- Você não sabia que eu tava indo na igreja?
- Não mãe. Desde quando?
- Duas semanas já! Tá me fazendo muito bem!
- Você tá dando dinheiro na mão desses caras?
- Claro. Porquê?
- Puta que pariu... O celular de Pedrinho toca. Bota no catorze agora. Já vi. O que que é isso? Seu tio também não acreditava no que vira. Tô com ela no telefone. Já te ligo. Tá.

- Mãe, por que você deu dinheiro na mão desses caras?
- Porque eles me ajudam a resolver meus problemas.
- Quais são seus problemas, mãe.
- Vocês.
- Vocês quem?
- Você, seu tio, seus irmãos, seu pai, sua vó.
- Caralho.
- Eu que o diga.
- Você já tentou conversar com algum de nós sobre isso? Ou você preferiu procurar a igreja e esperar Deus resolver já de cara?
- Como assim?
- Conversar mãe... falar sobre o problema, olhando no olho, abrindo o coração.
- Claro que não.
- Genial... Ficam quietos alguns segundos, ambos sem saber o que dizer. Eram mundos diferentes, tempos diferentes, vidas totalmente diferentes na mesma família. Foi ele quem quebrou o gelo:

- Bom, então tá um a um, mãe.
- Porquê? Como assim.
- É que eu fumo maconha. Com essa tua da igreja, a gente fica empatado.
- Você o quê?
- Beijo mãe. Dorme com essa. Tchau!

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Semçura

Censura no Brasil não existe mais. Não naqueles moldes da ditadura militar pelo menos. Está lá, no inciso IX do extenso artigo quinto da nossa histórica Constituição de 1988. Claro, ela foi elaborada logo após pouco mais de duas décadas de repressão militar, daí o cuidado do legislador em ser minucioso quanto às liberdades de expressão, moblilização popular, entre outras tão essenciais para a democratização de um estado.

Mas esse santo inciso IX não marca o extermínio da censura no Brasilzão, apenas ratifica sua privatização. O governo não atua mais como censor, isso agora é função de uma minoria, algumas famílias que monopolizam os meios de comunicação de massa por exemplo, que, como qualquer empresa de iniciativa privada, faz o serviço de maneira muito mais eficiente. Transformaram a tão temida e execrada censura na Semçura, que parece bobagem, ninguém nunca viu isso antes, mas tá ali, poliforme, disposta a atacar qualquer um que ameace a ordem pública vigente.

Mas o mais legal disso tudo aconteceu ontem. Num país onde uma dúzia de diferentes religiões estão todos os dias na televisão arrancando dinheiro de um bando de ovelhas cegas, um simples ilustrador, humilde, bobo até, sofreu a pesada carga da Semçura idiota e sem princípios. Ele fez um desenho que estamparia uma camiseta e o colocou à disposição na Internet, a mais democrática das mídias.

Qual não foi sua surpresa quando o tal site resolveu retirar sua ilustração do ar por ter recebido denúncias de grupos que se sentiram ofendidos pela tal imagem. Parece uma besteirinha sem importância, mas é a tal da Semçura, neta bastarda do AI-5, brincando com suas marionetes, articulando, comandando, enquanto bebe cerveja e fuma um cigarro rodeada de mulheres gostosas e carros esportivos.

Uma camiseta à venda na internet agredir os princípios de um grupo, seja ele religioso, paramilitar, de axé, enfim, a ponto de ferir a livre iniciativa ao trabalho, também garantida na mesma papelada de 88 é, no mínimo, uma cretinice que merece destaque. Registro aqui meu descontentamento, e deixo abaixo o desenho feito pelo Barba. Quem quiser comprar camisetas, fazer banners, outdoors, ou qualquer outra coisa com o desenho, fique à vontade em entrar em contato comigo que eu falo com ele.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Sociologando

- Comecei a estudar história para a fuvest 2008. É impressionante como o mundo evoluiu muito pouco da idade média pra cá. Quer dizer, inventaram um monte de coisa, é verdade. A história do poderoso chefão por exemplo, não seria como foi se acontecesse hoje, com celulares e carros blindados. Mas isso é outro papo. O que eu quero dizer é que, a sociedade como um todo, um bloco, um organismo vivo, só mudou de vestido, nunca mudou de dono.

- Existe uma minoria que, seja porque deus quer, seja porque tem mais dinheiro, controla todo o resto. Desse todo o resto, existem aqueles que sabem disso e não fazem nada, os que sabem disso e fazem alguma coisa, e os que não sabem disso.

- Essa minoria é totalmente adaptável. Eles são capazes de viver qualquer mentira para sustentarem-se. Eles são muito inteligentes, marginalizando os medianos e têm tesão em sucesso. Eles são capazes de criar movimentos e espalhar uma ideologia que promete acabar com essa hegemonia e centralização de poder, mas isso é só uma tentativa de retomada de posse, e não uma reforma agrária.

- Os que sabem disso e fazem alguma coisa são curiosos. Existem os oportunistas, aproveitadores, e os bem-intencionados, extremistas ou não. Formadores de opinião, alguns são professores, outros são parentes, amigos. Eles estão presentes, você os vê com freqüência, vocês se entendem. Tudo que falta é um pouquinho mais de ação e uma bandeira pra sacudir. Pra todos sacudirem juntos. Coisa que os aproveitadores já fizeram. Eles sacodem a bandeira do Brasil, mas no lugar de "Ordem e Progresso" cada um assina o próprio nome, na cor que quiser.

- Os que não sabem disso são engraçados. Muitos aprenderam a dizer que preferem as coisas assim. Mas quem prefere, prefere uma coisa à outra, e eles não sabem o que essa outra coisa é, portanto não preferem nada. O que eles preferem foi preferido por outras pessoas e só ensinado a eles. E mal ensinado, ainda por cima.

- Bom, mas o que é que eu sei, não é verdade?

"E não?" respondeu o amigo, levando o copo de cerveja próximo ao olho.

sábado, 1 de setembro de 2007

microCONTOS (A dois)

* E ela respondeu "Eu te amo" só com os lábios.

* Choraram juntos por motivos distintos. Ele ainda a amava.

* Transaram com intimidade a noite inteira. Não se olharam no dia seguinte.