sexta-feira, 14 de setembro de 2007

A família de Pedrinho

Pedrinho tinha 25 anos e um hábito estranho: passar a madrugada assistindo programas de igrejas evangélicas na televisão aberta, muitas dessas vezes fumando um baseado, lendo alguma coisa, ou batendo papo na internet. Quando o programa era repetido, era visto sem som com algum álbum dos Beatles ou do Pink Floyd como trilha sonora.

Fazia isso há anos. Desde antes do "Vida ao Vivo", era sua melhor referência de tempo. A televisão às vezes mexe com a gente, é fantástico. Ele tinha acompanhado as diversas fases dos programas religiosos, com diferentes pragas, diferentes demônios. Diferentes discursos, inclusive. Aliás, tudo estava discaradamente diferente.

Foi numa madrugada de terça-feira sem sono que ele se surpreendeu. Num dos depoimentos ao vivo direto do maior hospício do mundo ele vê sua mãe em lágrimas. Ela narra uma história de vida sofrida, com números exorbitantes, com obstáculos inexistentes, mas que termina com graças alcançadas, números mais exorbitantes, carros, casa própria e volta por cima. Aliás, alguém já ouviu algum rico falar "casa própria"? Ligou pra casa da mãe na mesma hora.

- Alô?
- Mãe, o que é isso?
- Isso o quê?
- Na TV mãe! Você, na igreja! O que é isso?
- Você não sabia que eu tava indo na igreja?
- Não mãe. Desde quando?
- Duas semanas já! Tá me fazendo muito bem!
- Você tá dando dinheiro na mão desses caras?
- Claro. Porquê?
- Puta que pariu... O celular de Pedrinho toca. Bota no catorze agora. Já vi. O que que é isso? Seu tio também não acreditava no que vira. Tô com ela no telefone. Já te ligo. Tá.

- Mãe, por que você deu dinheiro na mão desses caras?
- Porque eles me ajudam a resolver meus problemas.
- Quais são seus problemas, mãe.
- Vocês.
- Vocês quem?
- Você, seu tio, seus irmãos, seu pai, sua vó.
- Caralho.
- Eu que o diga.
- Você já tentou conversar com algum de nós sobre isso? Ou você preferiu procurar a igreja e esperar Deus resolver já de cara?
- Como assim?
- Conversar mãe... falar sobre o problema, olhando no olho, abrindo o coração.
- Claro que não.
- Genial... Ficam quietos alguns segundos, ambos sem saber o que dizer. Eram mundos diferentes, tempos diferentes, vidas totalmente diferentes na mesma família. Foi ele quem quebrou o gelo:

- Bom, então tá um a um, mãe.
- Porquê? Como assim.
- É que eu fumo maconha. Com essa tua da igreja, a gente fica empatado.
- Você o quê?
- Beijo mãe. Dorme com essa. Tchau!

3 comentários:

- insideabreak disse...

eu fico pensando... o que acontece com a pessoa a ponto dela pagar a ridícula?
caracas... mas não perco o espírito de ver todas as terças sessões de descarrego! =)

young vapire luke lestat disse...

Huaaaaaa!
Que maravilha este texto.
Muito Bom mesmo.

Parabéns perfeito



[]s L.Sakssida

Diego Moretto disse...

ótimo texto brother!
Oq mais gostei, é quando trata da fé cega, q aqui no Brasil é um problema grave. Como vê, muitos brasileiros não conseguem resolver seus proprios problemas e ja q não tem saída - para eles-, o melhor a se fazer é jogar na mão de Deus, contribuindo horrores de dinheiro para certas igrejas, ao invés de usa-lo para algo bem mais útil.

Bom, vou nessa, abraços cara!!!