terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Vendo medo

- Me vê um quilo de medo, por favor.
- Pois não, senhor. De que tipo?
- Quais você tem aí?
- Temos medo de altura , de seqüestro relâmpago, de ser atropelado, medo que a criança tem de apanhar do pai quando faz coisa errada, medo de perder o emprego, de que dê tudo errado, medo de barata, de cachorro, de tempestade, de gripe asiática, de morrer, de falar em público, enfim... O que que o senhor procura?
- Então, é pra presente.
- Pra sua esposa?
- Não, não. Pra uma mulher sim, mas não sou casado.
- O que sai bastante pra mulher é medo de se envolver, de não ser bem sucedida, de ter filhos e o corpo nunca mais ser o mesmo, de ser traída, de transar sem camisinha, de barata...
- Não, não... esses aí ela já tem.
- Medo de dirigir em São Paulo, de andar sozinha à noite, de abuso sexual, medo de anão, de atentado terrorista...
- Medo de anão???
- É! É importado! Chegou ontem da Alemanha.
- Não, não, acho que não. Queria algo que fizesse ela lembrar de mim, do nosso relacionamento, entende?
- Hmmm. Que tal medo de ficar sozinha, pra titia?
- Boa! Esse aí nunca é demais, né?
- Com certeza. Sai bastante. Um quilo?
- Um e meio. Ela anda muito saidinha.

***

- Oi! Eu queria levar um quilo de medo pra presente?
- Pois não senhora. Temos medo de avião, de acampar, de fanático religioso, de mendigo, de engasgar com espinha de peixe, medo de que o carro quebre no meio da estrada...
- É pra um cara com quem eu tô saindo. O que você me sugere?
- Hmmm. Pra homem sai bastante o medo de perder o emprego, de ficar careca, de ficar broxa, de levar tiro em encrenca no trânsito..
- Não, esses ele tem de sobra.
- Medo do sogro? Medo de não conseguir sustentar a família? Medo de ser assaltado? Medo de bala perdida? Medo de ir no puteiro com os amigos e ter o menor pau da turma?
- Não, esses ainda não. Queria algo pra dar uma esquentada no relacionamento, sabe?
- Já sei. Medo de levar chifre.
- Perfeito!
- Esse é muito bom. Eles viram um doce na hora. Um quilo?
- Dois. Tô precisando de um vestido novo.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Peculiaridades paulistanas

São Paulo foi fundada em 1554, e desde então não parou de chegar gente nessa porra. Gente de tudo quanto é canto do Brasil e do mundo. Vieram e ficaram. Muitas culturas se conheceram aqui. Muita gente nasceu aqui. E a coisa tá chegando num ponto que não cabe mais ninguém. São Paulo virou um ônibus lotado, onde você vive com um braço pro alto, trombando em gente o tempo todo, e esperando que uma galera desça no próximo ponto.

Isso é percebido em várias situações do dia-a-dia. Falar do trânsito de São Paulo não vale mais. Perdeu a graça. Mas o que é novidade e ainda dá um caldo é o trânsito nas calçadas. E não estou falando da Vinte e Cinco de Março na semana do Natal. Também não vale.

Quem mora na Bela Vista e tem o costume de andar a pé, ou aprecia uma caminhada urbana, pode se divertir bastante com muito pouco. E com mais segurança que muita gente pensa. Mas pode enfrentar um problema: trânsito na Brigadeiro. Em certo ponto da subida da São Silvestre há um supermercado. Nos seus arredores existe um comércio informal, bem mais pitoresco que impertinente. E, como a calçada ali deve ter sido feita pra moto passar, eles têm de se espremer. Uma espécie de corredor polonês tipicamente brasileiro, que se alastra por uns 15 metros, permitindo que uma pessoa suba e outra desça a rua ao mesmo tempo. E só. Pessoas que te empurram - todo mundo com muita pressa pra matar o trabalho - e uma barreira de camelôs intransponível deixam evidente: uma vez dentro do corredor, você só sai do outro lado.

Era outono. Uma terça-feira, aproximadamente três da tarde. O tráfego ia pesado na Brigadeiro, ambos sentidos. Pessoas desciam do ônibus com pressa, na direção do corredor de vendedores ambulantes, subindo a rua. Pessoas desciam o tempo todo pela outra mão da pista, o que impossibilitava uma ultrapassagem. Já três metros corredor adentro, e liderando o trânsito, ia uma senhora que podia ter 65 ou 90 anos. Ela carregava sacolas nos dois braços, sacolas que pesavam mais que todos seus ossos juntos. As pessoas estavam impacientes, não se conformavam com a lentidão. A mulher, de ralos cabelos brancos e curtos, até tentou apertar o passo, mas em vão. Uma outra bastante gorda vinha atrás dela com a força de um caminhão. Com as pernas e a cintura derrubou a velhinha no chão. Ela falava ao celular bem alto e sequer notou ter pisado nas costelas da infortunada anciã. Tampouco notaram os outros da fila, ao moer o corpo pequenino daquela senhora que não conseguiu juntar forças para sequer agonizar. Logo que o congestionamento se dissipou, pessoas apressadamente recolheram as compras da desvanecida. Uma fatalidade. Culpa de um crescimento desornedado de milhões de lares. Mas não mais irritante do que a turma das banquinhas de incentivo ao teatro da Avenida Paulista. E aí, você gosta de teatro?

- Olha só, amor.
- Olha o quê, querida?
- Você aí, você gosta de teatro?
"Se eu falar que não ele vai me achar careta. Gente descolada gosta de teatro. É coisa de gente culta, inteligente". - Claro que gosto!
- Claro que gosta! "Nossa. Como ele culto. Como ele é inteligente"
- Então dá uma olhada no nosso projeto. A gente tá juntando assinaturas para - PÉÉÉÉÉÉ... FILHO DA PUUUU - que será revertido para - XIS, MATA BARATA MATA FORMIGA É SÓ UM REAL - em prol do grupo -VAI TOMAR NO SEU - com o intuito de - ÁGUA, COCA, CERVEJA - e então?
- Tá, onde eu assino?
- Pode assinar aqui. Se sua namorada quiser assinar também, nunca é demais.
- Assina, amor.
- Ai, assino sim!
- Obrigado gente. Aqui, leva essa revistinha.
- Obrigado!
- Obrigada!
- Querido, onde tem teatro aqui em São Paulo?
- Ah, aqui ó! Em cima desse vãozão aqui é um teatro!
- Nossa!

Boletos começaram a chegar na casa do casal. Não deram atenção no começo, pois pareciam solicitações de donativos, oriundos da turma do teatro. Não passavam disso mesmo, mas disfarçados de boletos de cobrança bancária. Eles estavam juntando economias e iam abrir o próprio negócio, foram ao banco e conseguiram um empréstimo para capital de giro. Depois de selado o acordo, as cobranças dos donativos foram protestadas. Enquanto o casal começava o investimento no material necessário para montar a loja, assinando promissórias e contratos, o banco cancelou seu empréstimo. Chamaram advogado, processaram o banco e a turminha do teatro. Perderam os dois casos e afundaram-se em dívidas tentando pagar as despesas geradas pelo empreendimento que falhara e as custas de ambos processos. Foram parar na rua com os filhos, que não sobreviveram muito tempo desprovidos dos utensílios da classe média. São Paulo nunca foi um lugar fácil de se viver.

Histórias assim acontecem o dia todo na cidade grande. Mas tudo bem. Logo logo tem eleição. O Maluf e a Marta devem ir pro segundo turno, e tenho certeza que um deles vai resolver esses problemas. Você acha que não?

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

A mulher do síndico

Todo mundo sabe que a imagem do síndico é importante dentro de um condomínio. Não que alguém precise dele pra alguma coisa, muito pelo contrário. Mas seja como for, a sua figura acaba refletindo um pedaço do espírito político e engajado de cada proprietário. Numa sociedade homofóbica como a nossa são poucos os síndicos gays vistos por aí, por exemplo, assim como ninguém votaria num vizinho publicamente corno. É sabido do povo que síndico tem que ter um pulso firme.

Mas essa não é uma história de síndico, e sim da mulher dele, a Dona Valeska. Casada com o seu Ariovaldo, levava a mais perfeita vida que uma dondoca poderia sonhar. Academia, sauna, salão de beleza. Quando muito buscava as crianças na escola. Passava todas as tardes da semana bronzeando seu corpo bem formado de quase 40 anos à beira da piscina do condomínio, enquanto seus fihos quase se afogavam.

- Você sabe quem é aquela ali na piscina?
- Não é a mulher do síndico?
- Gostosa, né?
- Ô!
- Coroa, mas bem bacana.
- Total!

Não era a primeira vez que Vinicius contemplava aquele corpo moreno às escondidas, pela janela. Seu quarto tinha vista para toda a área útil do condomínio, que mal era notada quando a bunda de Dona Valeska dava as caras. Era o tempo de voltar da faculdade, almoçar e pronto: lá estava a coroa gostosa alimentando suas fantasias depois da sobremesa. Ele imaginava ser discreto e invisível apesar de morar no primeiro andar. Ela, fingindo que não o via, espreguiçava-se e abria seu corpo para os olhares desejosos e tarados do menino. Ouvia a conversa dele com os outros meninos do prédio, mas achava graça bem quieta.

- Eu vou lá.
- Quê?
- Vou dar um mergulho ué. Vamo aê?
- Depois eu vou. Agora vou subir pra comer um bagulho.

Aquele dia seria diferente. Minutos depois e Vinicius refrescava-se na piscina. Os treinos de vôlei do colégio e da faculdade haviam lhe dado um físico de atleta que enchia os olhos de dona Valeska. Ela, por trás dos óculos escuros e uma revista de fofocas, observava atenciosamente cada movimento do garoto. Nossa, olha a sunga dele. Que delícia esse corpão todo em cima de mim. Imagina... Olha mãe. Olha o que eu sei fazer mãe. Olha mãe. Mããããe. OLHA AQUI MÃE. MÃÃÃE OLHA!!! Os gritos dos filhos atrapalhavam suas fantasias.

- Pedrinho e Claudinha! Podem subir os dois!
- Mas mãe...
- Já pra cima. Agora!

Quando os dois pestinhas saíram contrariados da piscina, foi o momento. Vinicius e Valeska trocaram o primeiro olhar com cumplicidade, com algo a dizer. Crianças, né? Pois é... E foi o necessário. Ele perguntou por que ela não mergulhava numa tarde tão quente, e ela mentiu dizendo que não sabia nadar. Eu te ensino. Prazer. Vinicius. Mas me chama de Vává. Ela entrou na água bem devagar, dando a mão ao seu iminente professor. O toque de mãos apenas confirmou o que a troca de olhares havia dito, e em poucos minutos estavam se esfregando por debaixo dágua, até ele tirar a sunga.

- Aqui não.
- Como não?
- Aqui não dá. Vem comigo, eu conheço um lugar.

E saíram da piscina. Ela rapidamente pegou seus pertences da espreguiçadeira e se lançou condomínio adentro, virando vários corredores. Ele a seguia com alguma distância, com a toalha disfarçando a vontade monstruosa que sentia. Chegaram em uma pequena sala que parecia um depósito, com algumas cadeiras empoeiradas e duas cortinas velhas. Ao fechar da porta, lamberam-se, mastigaram-se e começaram uma maratona de sexo que incluiria pelo menos umas 14 posições sexuais e algumas horas. Ela mordia os gritos que escapavam em formas de suspiros. Ele não piscava. Tão imersos no desejo, não perceberam uma movimentação nas proximidades.

Naquele dia seu Ariovaldo tentava a reeleição. Havia feito algumas reformas, mandado um porteiro embora por indisciplina, enfim, fora um síndico atuante. Os condôminos (quorum de 47 deles) se reuniam no salão de festas para iniciar a assembléia que culminaria na votação. Quando a dona Zulmira do 62 chegou, seu Ariovaldo sempre muito cortês, levantou-se oferecendo seu lugar pra ela. Pode deixar dona Zulmira, que eu pego mais algumas cadeiras. Fica à vontade.

O depósito ficava no fundo do salão de festas. A porta abriu junto com um grito de espanto do seu Ariovaldo. Não é sempre que se vê a mulher com a boca no pinto de outro. Vinicius congelou enquanto Vavá chupava como se o mundo fosse acabar. Somente bons segundos depois que a esposa viu o marido de pé, à porta. "Que foi seu Ari? Viu algum bicho?" perguntavam os quase cúmplices da maior vergonha da vida do então candidato a síndico pela segunda vez. Ele sentia ódio, medo, embaraço, um nó, um cavalo dentro da barriga. Pensou no escândalo, pensou em arrancar o pinto daquele filho da puta e dar na cara daquela vagabunda, mas não. Amanhã talvez, mas hoje não. Hoje seria votado, seria um exemplo. Retirou uma pilha de três ou quatro cadeiras, próxima da bunda nua de sua esposa, virou-se para sua audiência:

- Não é nada! E sorriu o mais honesto que pôde...