terça-feira, 31 de julho de 2007

Apenas um pedaço de carne

Era uma noite quente. Melissa fazia o caminho de sempre até o ponto de ônibus, como todos os dias após o trabalho, porém naquela noite Joana não a acompanhou, seu namorado viria buscá-la. Não a agradava andar sozinha na rua tarde da noite, mas era questão de tempo até conseguir mudar de horário na central. Seu vestido curto, adequado para uma noite de dezembro, contornava sua silhueta com perfeição, um corpo cheio de curvas e de pele firme. Sua figura contrastava com a paisagem decadente do centro da cidade, seu perfume lutava por espaço com o odor dos mendigos e das bocas de lobo. Seguia os 6 quarteirões de sempre sem a cautela que deveria ter tido aquela noite...

Foi logo após contornar a esquina do banco. "Lembro que senti um golpe na cabeça" disse ao delegado. Um homem bem mais alto que ela a arrastou pra dentro de um hall de caixas eletrônicos, arrancando seu vestido como um animal faminto e com pressa. Deixou diversas marcas nos seus braços e pernas. Acordou sangrando com uma mordida no seio. Estava com o vestido todo rasgado, jogada num chão gelado, com um monstro de cerca de 40 anos, roupas sujas, mãos cascudas e grossas que tapavam sua boca com força. Se você gritar eu te mato. Tinha bom hálito. Hortelã. Ele mordia, dava tapas, transava com raiva, com dor, dominando-a, deixando-a sem alternativas. Devem ter ficado por ali cerca de 30 minutos, mas pareciam dias. Ele a pôs de quatro, meteu o pinto onde quis. Ela não conseguiu gritar, não conseguiu relutar, não conseguiu nada, só gozar. Ficou jogada e molhada no chão do banco, coberta de hematomas e de sangue pisado. Já de pé, enquanto o homem fechava o zíper da calça, virou-a em sua direção com o pé direito e cuspiu no seu rosto. Um pedaço de carne, apenas um pedaço de carne. E saiu.

Ela ficou em choque. Pedaço de carne. Apenas um pedaço de carne. Aquela voz, aquela frase. Pensou milhões de vezes antes de procurar a polícia. Não sabia se queria simplesmente apagar essa noite de sua memória, talvez não quisesse dividir isso com ninguém. Teve medo e pesadelos, mas superou alguns depois de dias e foi à delegacia. Narrou aquela noite com o máximo de detalhes que conseguiu. Era a quarta vítima do delinqüente que havia sido pego pela polícia naquela manhã. Poderia reconhecê-lo? Claro que sim.

Ainda tinha marcas no corpo daquela noite. Foram colocados frente a frente, com dois policiais robustos segurando o estuprador. Trocaram olhares e ela começou a chorar, balbuciando sim por entre soluços. Olha, a gente pode segurar ele pra senhora descontar um pouco da raiva. Ele tá algemado. É mesmo? Claro, claro. Ela olhou fundo nos olhos daquele homem que sequer sabia o nome, lembrando dos detalhes daquela noite. Cada toque, cada agressão, cada pedaço de abuso, o hálito de hortelã. Ajoelhou na sua frente e abaixou suas calças. Chupou seu pinto como se fosse a última coisa a fazer no mundo. Os policias, perplexos, não esboçaram nenhuma reação. Duas interrogações, de pé, observando a cena. Terminando o serviço, Melissa, com algum esperma no rosto, ainda de joelhos aos pés do confuso porém satisfeito agressor de outrora, pediu-o em casamento. Nunca gozara daquele jeito nesses 34 anos de vida morna.

Foi uma cerimônia simples.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Gente...

Quem olha de onde veio,
por mais que veja vitória,
ainda está olhando pra trás.
Enxerga o que hoje é história
e deveria estar na memória.
Não muda, não cria, não faz.
Se perde no próprio passado.

Mas quem olha por onde anda
sabe quem vai ao seu lado.
Observa direito o perigo,
não chama qualquer um de amigo,
vive desconfiado.
Defende. Protege. Desvia.
Talvez, quem sabe, faria.

Mas tem gente que erra feio,
tropeçando, esbarrando e caindo,
levanta sangrando e sorrindo,
pois sabe de onde veio
e do seu caminho não sai.
Insiste, não desiste,
e mesmo com tanto dedo em riste,
não se engana, não se trai.
Não olha por onde anda
mas olha pra onde vai.

sábado, 28 de julho de 2007

Tela em branco

Depois de tirar a poeira
Ainda, sem eira nem beira
Retire também a moldura
Desenhe o que quer que você queira
Brinque com a tela, pura
Faça do quadro uma vida
sem raiva, sem amargura
Mais bela, mais colorida
Seja com lápis de cor
Que seja com tinta ou giz
Mas com sonho, carinho e amor
E diga ao final: "Eu fiz"

*Inspirado nessas palavras de Scarlet Sartori, de quem sou grande fã. Beijos pra você, meu anjo!

sábado, 21 de julho de 2007

Entrevista de emprego

Depois de quatro dinâmicas de grupo, duas entrevistas, um exame psicotécnico e um teste de Q.I., a seleção estava quase completa. Somente dois gladiadores, dos 12700 currículos apresentados, sobreviveram ao ataque afunilador das feras. E agora eles estavam prontos para se enfrentar, cara a cara, no ringue.

A tensão no ar, de tão evidente, era sufocante. O contato visual era evitado ao máximo. A cadeira de couro velha rasgada, com aquela ponta de ferro pequena que existe só pra "massagear" o ossinho da bunda transformava os segundos em minutos. Os olhos, quando não voltados ao relógio de pulso, varriam a sala em busca de distração. Não se via sequer um quadro, um repouso para aquele creme entediante da parede que, quando muito, trazia uma pequena janela que contemplava a vista do coração da cidade: Brás!

No canto escuro estava Wagner Nogueira, 38 anos, 17 anos de experiência em marketing de serviços, com MBA no exterior, ex-diretor do departamento de inteligência corporativa da maior montadora de veículos do país. No canto claro, ao lado do bebedouro (sem água, por sinal), víamos Joaquim dos Santos Oliveira, com seus 36 anos, Pós-Doutorado em Comunicação Mercadológica, 7 livros de negócios publicados e ex gerente geral do maior portal de internet do Brasil. Era um duelo de titãs onde ambos tinham uma certeza: é matar ou morrer.

Os dois foram chamados para a sala do outro lado do corredor ao mesmo tempo, para surpresa de ambos. Entraram na salinha sem janelas, cuja mesa era de madeira com algumas farpinhas que atrapalhavam a concentração de qualquer um, cadeiras ainda mais desconfortáveis e uma figura nada simpática. Sentaram, duelaram, se venderam. Meia hora depois, já exaustos da batalha que parecia interminável, veio a notícia que nenhum deles esperava:

- Eu gostaria de dizer que - o discurso era intercalado por tosses e pigarros profundos - nós estaremos disponibilizando oportunidade a vocês dois. Vocês podem começar segunda feira às oito. Por enquanto não terão carteira assinada e, após 90 dias, caso tenham tido um bom desempenho, assinamos contrato. A remuneração inicial é de 2 salários mínimos mais 1% de comissão sobre cada venda. De acordo?

Após os dois "Sim" emocionados, todos trocaram apertos de mão e se despediram. Ao sair do campo de batalha, ambos vivos e com ótimas perspectivas de futuro, os lutadores se entreolharam e Wagner, aproveitando o momento, resolveu então quebrar o gelo com o mais
novo colega:

- É meu amigo! E tem gente que ainda reclama de desemprego em São Paulo... Pode???

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Desse Brasil que canta e é feliz...

Salve povo!

Sei que alguns de vocês aparecem por aqui de vez em quando. E vocês, que já me visitam há algum tempo, sabem que eu não costumo escrever textos engajados, criticar a situação da política no país, nada disso. Mas parece que agora ninguém mais consegue andar de avião por aqui. O negócio tá ficando sério...

Inclusive eu ouvi dizer que o ministério público quer fechar o aeroporto de congonhas. Parece que tem alguma coisa errada por lá. Mas isso não é problema. Nosso ministério público e seu sensor aranha estão no caso. Bastou uma amostra simultânea em todos os canais de televisão do país da manchete "180 mortos no maior acidente da aviação civil brasileira" que lá estavam eles, prontos pra resolver o problema. Falando em canais de televisão, alguém notou algum deles tentando jogar a culpa no piloto ou no avião?

Aliás, esse o problema do Brasil. A gente só consegue alguém pra (fingir que vai) cuidar do problema com pelo menos umas 50 vítimas. Ou algo hediondo. Aí a população se inflama, revolta, abre os olhos, grita o nome de um mártir, ergue bandeiras. Criam musiquinhas, alguém lança um CD. O foda é que depois começa o Big Brother e todo mundo perde o fio da meada.

Mas ainda bem que, como sempre, temos alguém pra cuidar do problema. "Relaxa e goza". É simples. Como é que ninguém pensou nisso antes? Afinal, no país da bunda, do carnaval, da prostituição infantil, alguém deveria ter tido essa idéia faz tempo... É esse o brilhantismo dos nossos ministros. É por isso que eles estão lá!

Nem mesmo o futebol escapa. Nem a nossa canarinho. Nem a sagrada camisa 10. Nada. Nossa seleção, que trouxe o Caneco para terras tupiniquins em 1994, numa das finais mais emocionantes da história do futebol, não é mais tratada com o respeito de outrora. Em épocas áureas eles entravam nesse país trazendo alguns dólares acima do limite permitido de entrada de mercadorias. O fiscal que ousasse se opor era queimado em preça pública. Mas enfim, eram heróis! Agora até nossos jogadores (lê-se volantes), os protetores do nosso único legado, até eles têm que enfrentar o "delayed", o "atraso", o milton neves e o "estamos sem sistema". Não estão mais acima da lei e dos limites de um mero normal contribuinte. Por isso que ninguém joga mais com aquela garra. Não é por dinheiro. Nosso futebol perder o glamour, o status. Sabe quem foi eleito prefeito de Buenos Aires? O presidente do Boca Júniors...

Eu só espero que consigam dar um jeito no Brasilzão antes que sejam feitas mais vítimas da incompetência e do despreparo de nossas autoridades, governantes, líderes e síndicos. Sei também que, quando isso acontecer, a mídia estará lá para fazer seu papel de maneira muito equilibrada, informativa e transparente - e não?

Ah, e torço também pra que o corinthians não feche as portas antes de eu ter um filho... Ia ser difícil explicar...

quinta-feira, 12 de julho de 2007

O trabalho do seu Assis

Natal é uma data mágica, na qual são reavivados valores universais como amor ao próximo e a união da família. Ela desperta o que há de melhor, de mais puro no ser humano. Isso e promoções em pontos de venda. Nessa época, todo shopping center que se preze contrata alguns papais noéis para trabalhar em turnos initerruptos, mentindo para crianças inocentes. Claro, sempre com a melhor das intenções: bater a meta de vendas.

- Esse ano eu quero um Playstation 5000, papai noel...
- HO HO HO!!! E você foi um bom menino?
- Fui sim papai noel!
- Passou de ano?
- Passei sim!
- Não fez arte pra sua mãe?
- Só um pouquinho...
- Então tudo bem garotinho! Vá dormir bem cedo na noite de natal que no dia seguinte você terá uma surpresinha! HO HO HO!
- Obrigado papai noel!

Esse era o seu Assis, um papai noel de barba cheia. Um veterano, simpático, bonachão, barrigudinho, de um "ho ho ho" todo maiúsculo, que sequer precisava de peruca ou barba postiça. Alguns figurões do bairro diziam que Assis era assim desde garoto. Nascera pronto para o posto. E o velhinho adorava esse contato com as crianças, essas pinceladas de esperança que lhes dava, que sempre vinham seguidas de um sorriso franco, honesto. Não tivera filhos e sempre aguardava ansioso as festas de fim de ano. Era assim já havia 14 anos.

Uma bola. Um vídeo-gueime. Uma bicicleta. Um patinete. Fascinava-o a inocência das crianças refletidas em pedidos tão simples. Num mundo onde pessoas matam, roubam, brigam por poder e dinheiro, estupram e por aí afora, um simples álbum de figurinhas era capaz de trazer toda a alegria do mundo para um desses anjinhos. Coisas tão simples, pensava. Pena que cedo ou tarde o mundo iria transformá-los.

Nunca esqueceu aquela terça-feira. Estava quase no fim do seu turno, logo após o almoço. Viu uma menininha linda, de chuquinhas nos cabelos castanhos e lisos, de olhos verdes bem esbugalhados que brilharam quando cruzaram olhares. Ela puxou a mão da mãe com toda a força que pôde, gritando que queria muito falar com o papai noel. A mãe, após relutar um pouco, cedeu.

- Papai noel! Gritou a criança como se conhecesse o bom velhinho há tempos. Devia ter uns 7 anos.
- HO HO HO meu anjinho, disse seu Assis, batendo no colo chamando a menina. O que essa menina tão linda quer do papai noel?
Ela quase falou, mas percebeu a mãe muito próxima deles. Queria certificar-se de que a mãe não ouviria seu pedido. Ficou sem jeito. É segredo manhê...

- Vai logo menina. A mãe falava alto, tinha olheiras profundas e ombros caídos, derrotados.
- Conta aqui no meu ouvido, meu anjinho.
A menina aproximou-se do velhinho e sussurrou, em tom choroso. "Eu queria que meus pais parassem de me bater..."

Seu Assis ficou atônito, imóvel. A mãe puxou a menina pelo braço em seguida. Vamo embora. A criança ainda se virou para o velhinho uma última vez, os olhos redondos brilhavam mais pelas lágrimas do que pela esperança. Saíram em direção ao estacionamento. Seu Assis foi papai noel no mesmo shopping center mais alguns anos, mas nunca mais viu aquele seu anjinho de esmeraldas no rosto. Sempre lembrava daquela voz trêmula sussurrando aquele apelo em seu ouvido. Nunca soube o final dessa história...

terça-feira, 10 de julho de 2007

Salve povo!

Desculpem a demora na atualização. Alguns problemas no micro tornaram a digitação simplesmente impraticável.

Aproveito também para agradecer a todos aqueles que dedicam qualquer quantidade de tempo lendo alguma maluquice aqui apresentada. Mais ainda àqueles que dispõe de energia para refletir e comentar a respeito.

Texto novo nessa quinta-feira.

Abraços!

domingo, 1 de julho de 2007

Sentimentos à flor da pele...

Luíza era toda emoção. Toda sentimento. Não sabia controlá-los. Tinha tanto carinho dentro de si que não lhe cabia na alma e virou beija-flor, todinho vermelho.

O beija-flor de Luíza voou pela janela para espalhar seu carinho no mundo, e nunca mais voltou. Fez o mundo mais feliz, mas Luíza nunca mais o viu.

Ficou triste, tão triste que sua tristeza virou borboleta. Essa nunca voou longe, sempre a rodeava, dormia no seu ombro. Sua asas violetas e cinzas atormentavam Luíza que nunca gostou de borboletas, e a matou de um golpe só.

Foi aí que o ódio de Luíza transbordou, virou uma águia, imponente de olhar gélido e hipnótico que a intimidava, encarando-a o tempo todo. Luíza andava de um lado pro outro em seu quarto, inquieta, fugindo dos olhos negros do pássaro que se mantinha imóvel na batente da janela do seu quarto. Quando o beija-flor de Luíza voltou, trouxe consigo um outro beija-flor, de cor dourada, ainda mais lindo e delicado que o primeiro. Ambos, em segundos, foram destrinchados sem piedade pela ave de olhar diabólico que partiu janela afora logo após.

Luíza ainda pensava no que fazer com os corpos dos dois ternos passarinhos quando seu quarto foi tomado por uma nuvem de vespas. Tomaram todo o espaço, entravam pela sua boca quando tentava gritar, picavam seu rosto e toda pele descoberta que encontravam. Ficaram ali por horas de agonia sem igual e desapareceram quase que num mesmo passe de mágica, da mesma forma que surgiram.

Dias se passaram e nenhum outro animalzinho fez companhia para Luíza. Ninguém em casa, no quarto, na janela, em lugar nenhum. Seu vazio se acabou quando, sem enxergar outra solução, a menina se atirou da janela do seu quarto buscando um caminho melhor. Suportava tudo, menos a solidão.