quinta-feira, 12 de julho de 2007

O trabalho do seu Assis

Natal é uma data mágica, na qual são reavivados valores universais como amor ao próximo e a união da família. Ela desperta o que há de melhor, de mais puro no ser humano. Isso e promoções em pontos de venda. Nessa época, todo shopping center que se preze contrata alguns papais noéis para trabalhar em turnos initerruptos, mentindo para crianças inocentes. Claro, sempre com a melhor das intenções: bater a meta de vendas.

- Esse ano eu quero um Playstation 5000, papai noel...
- HO HO HO!!! E você foi um bom menino?
- Fui sim papai noel!
- Passou de ano?
- Passei sim!
- Não fez arte pra sua mãe?
- Só um pouquinho...
- Então tudo bem garotinho! Vá dormir bem cedo na noite de natal que no dia seguinte você terá uma surpresinha! HO HO HO!
- Obrigado papai noel!

Esse era o seu Assis, um papai noel de barba cheia. Um veterano, simpático, bonachão, barrigudinho, de um "ho ho ho" todo maiúsculo, que sequer precisava de peruca ou barba postiça. Alguns figurões do bairro diziam que Assis era assim desde garoto. Nascera pronto para o posto. E o velhinho adorava esse contato com as crianças, essas pinceladas de esperança que lhes dava, que sempre vinham seguidas de um sorriso franco, honesto. Não tivera filhos e sempre aguardava ansioso as festas de fim de ano. Era assim já havia 14 anos.

Uma bola. Um vídeo-gueime. Uma bicicleta. Um patinete. Fascinava-o a inocência das crianças refletidas em pedidos tão simples. Num mundo onde pessoas matam, roubam, brigam por poder e dinheiro, estupram e por aí afora, um simples álbum de figurinhas era capaz de trazer toda a alegria do mundo para um desses anjinhos. Coisas tão simples, pensava. Pena que cedo ou tarde o mundo iria transformá-los.

Nunca esqueceu aquela terça-feira. Estava quase no fim do seu turno, logo após o almoço. Viu uma menininha linda, de chuquinhas nos cabelos castanhos e lisos, de olhos verdes bem esbugalhados que brilharam quando cruzaram olhares. Ela puxou a mão da mãe com toda a força que pôde, gritando que queria muito falar com o papai noel. A mãe, após relutar um pouco, cedeu.

- Papai noel! Gritou a criança como se conhecesse o bom velhinho há tempos. Devia ter uns 7 anos.
- HO HO HO meu anjinho, disse seu Assis, batendo no colo chamando a menina. O que essa menina tão linda quer do papai noel?
Ela quase falou, mas percebeu a mãe muito próxima deles. Queria certificar-se de que a mãe não ouviria seu pedido. Ficou sem jeito. É segredo manhê...

- Vai logo menina. A mãe falava alto, tinha olheiras profundas e ombros caídos, derrotados.
- Conta aqui no meu ouvido, meu anjinho.
A menina aproximou-se do velhinho e sussurrou, em tom choroso. "Eu queria que meus pais parassem de me bater..."

Seu Assis ficou atônito, imóvel. A mãe puxou a menina pelo braço em seguida. Vamo embora. A criança ainda se virou para o velhinho uma última vez, os olhos redondos brilhavam mais pelas lágrimas do que pela esperança. Saíram em direção ao estacionamento. Seu Assis foi papai noel no mesmo shopping center mais alguns anos, mas nunca mais viu aquele seu anjinho de esmeraldas no rosto. Sempre lembrava daquela voz trêmula sussurrando aquele apelo em seu ouvido. Nunca soube o final dessa história...

3 comentários:

Wagner disse...

caracas! essa me fez ficar emocionado!

Anônimo disse...

Eu já comentei pessoalmente, mas vale um post.
Parabéns pelo texto e principalmente pela variedade de temas e idéias, continue nessa viagem.

Anônimo disse...

Meu Deus!!!
Meu Deus!!!