sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Peculiaridades paulistanas

São Paulo foi fundada em 1554, e desde então não parou de chegar gente nessa porra. Gente de tudo quanto é canto do Brasil e do mundo. Vieram e ficaram. Muitas culturas se conheceram aqui. Muita gente nasceu aqui. E a coisa tá chegando num ponto que não cabe mais ninguém. São Paulo virou um ônibus lotado, onde você vive com um braço pro alto, trombando em gente o tempo todo, e esperando que uma galera desça no próximo ponto.

Isso é percebido em várias situações do dia-a-dia. Falar do trânsito de São Paulo não vale mais. Perdeu a graça. Mas o que é novidade e ainda dá um caldo é o trânsito nas calçadas. E não estou falando da Vinte e Cinco de Março na semana do Natal. Também não vale.

Quem mora na Bela Vista e tem o costume de andar a pé, ou aprecia uma caminhada urbana, pode se divertir bastante com muito pouco. E com mais segurança que muita gente pensa. Mas pode enfrentar um problema: trânsito na Brigadeiro. Em certo ponto da subida da São Silvestre há um supermercado. Nos seus arredores existe um comércio informal, bem mais pitoresco que impertinente. E, como a calçada ali deve ter sido feita pra moto passar, eles têm de se espremer. Uma espécie de corredor polonês tipicamente brasileiro, que se alastra por uns 15 metros, permitindo que uma pessoa suba e outra desça a rua ao mesmo tempo. E só. Pessoas que te empurram - todo mundo com muita pressa pra matar o trabalho - e uma barreira de camelôs intransponível deixam evidente: uma vez dentro do corredor, você só sai do outro lado.

Era outono. Uma terça-feira, aproximadamente três da tarde. O tráfego ia pesado na Brigadeiro, ambos sentidos. Pessoas desciam do ônibus com pressa, na direção do corredor de vendedores ambulantes, subindo a rua. Pessoas desciam o tempo todo pela outra mão da pista, o que impossibilitava uma ultrapassagem. Já três metros corredor adentro, e liderando o trânsito, ia uma senhora que podia ter 65 ou 90 anos. Ela carregava sacolas nos dois braços, sacolas que pesavam mais que todos seus ossos juntos. As pessoas estavam impacientes, não se conformavam com a lentidão. A mulher, de ralos cabelos brancos e curtos, até tentou apertar o passo, mas em vão. Uma outra bastante gorda vinha atrás dela com a força de um caminhão. Com as pernas e a cintura derrubou a velhinha no chão. Ela falava ao celular bem alto e sequer notou ter pisado nas costelas da infortunada anciã. Tampouco notaram os outros da fila, ao moer o corpo pequenino daquela senhora que não conseguiu juntar forças para sequer agonizar. Logo que o congestionamento se dissipou, pessoas apressadamente recolheram as compras da desvanecida. Uma fatalidade. Culpa de um crescimento desornedado de milhões de lares. Mas não mais irritante do que a turma das banquinhas de incentivo ao teatro da Avenida Paulista. E aí, você gosta de teatro?

- Olha só, amor.
- Olha o quê, querida?
- Você aí, você gosta de teatro?
"Se eu falar que não ele vai me achar careta. Gente descolada gosta de teatro. É coisa de gente culta, inteligente". - Claro que gosto!
- Claro que gosta! "Nossa. Como ele culto. Como ele é inteligente"
- Então dá uma olhada no nosso projeto. A gente tá juntando assinaturas para - PÉÉÉÉÉÉ... FILHO DA PUUUU - que será revertido para - XIS, MATA BARATA MATA FORMIGA É SÓ UM REAL - em prol do grupo -VAI TOMAR NO SEU - com o intuito de - ÁGUA, COCA, CERVEJA - e então?
- Tá, onde eu assino?
- Pode assinar aqui. Se sua namorada quiser assinar também, nunca é demais.
- Assina, amor.
- Ai, assino sim!
- Obrigado gente. Aqui, leva essa revistinha.
- Obrigado!
- Obrigada!
- Querido, onde tem teatro aqui em São Paulo?
- Ah, aqui ó! Em cima desse vãozão aqui é um teatro!
- Nossa!

Boletos começaram a chegar na casa do casal. Não deram atenção no começo, pois pareciam solicitações de donativos, oriundos da turma do teatro. Não passavam disso mesmo, mas disfarçados de boletos de cobrança bancária. Eles estavam juntando economias e iam abrir o próprio negócio, foram ao banco e conseguiram um empréstimo para capital de giro. Depois de selado o acordo, as cobranças dos donativos foram protestadas. Enquanto o casal começava o investimento no material necessário para montar a loja, assinando promissórias e contratos, o banco cancelou seu empréstimo. Chamaram advogado, processaram o banco e a turminha do teatro. Perderam os dois casos e afundaram-se em dívidas tentando pagar as despesas geradas pelo empreendimento que falhara e as custas de ambos processos. Foram parar na rua com os filhos, que não sobreviveram muito tempo desprovidos dos utensílios da classe média. São Paulo nunca foi um lugar fácil de se viver.

Histórias assim acontecem o dia todo na cidade grande. Mas tudo bem. Logo logo tem eleição. O Maluf e a Marta devem ir pro segundo turno, e tenho certeza que um deles vai resolver esses problemas. Você acha que não?

4 comentários:

Denise Machado disse...

Sim... Aqui que nem é Metrópole, estamos lotados de estelionatários. São coisas da vida, como diz a quase paulista Rita Lee.
Mas pra que indignação? Não é mesmo?
Texto bem elaborado.

Unknown disse...

Meu Deus, essa história toda que você contou sobre a velhinha das sacolas é real? Coitada. Aqui na minha cidade (São Vicente-SP) estou passando quase que a mesma situação, corredores infernais de camelôs, mas infelizmente isso etende a crescer...

Passa la no meu blog depois

www.BloGZinho.com

Abraços!!!

Thiago da Hora disse...

e ainda tem gente que tem coragem de dar o número do cartão de crédito para esse povo...

e camelôs são uns demônios. as prefeituras deveriam parar de ter dó e esquecer os "direitos" desse povo e acabar logo com essa zona.

Gabriela Gomes disse...

Obrigada pela visita e fico feliz que tenhas gostado.

Um abraço.