segunda-feira, 30 de junho de 2008

Semântica I - A sutil diferença entre risada e gargalhada

Pra exemplificar a diferença entre risada e gargalhada, ele contava a seguinte história:

"Imagina o seguinte: um grupo de amigas estão num quarto conversando. 4 delas, um saco de pipocas e uma panela de brigadeiro. Todas falam ao mesmo tempo até que o babado da semana vem à tona.

- Você deu pro Ricardo?
- Aham!

Noooossaaaaa!!! Elas todas pulam de seus lugares, balançam bastante os braços. O brigadeiro quase cai, pipocas se espalham como sementes de dente-de-leão. Ela conta toda a noite com o Ricardo. Detalhes mais variados. As amigas se silenciam e pouco a pouco param de piscar. Prendem o ar. Arregalam os olhos. Ela termina contando a transa dos dois do começo ao fim, de baixo pra cima, de pernas pro ar. Quando por fim alguém pergunta o tamanho do pinto do Ricardo, ela hesita um pouco e responde.

Se todas elas se olharem e rirem umas pras outras é uma coisa. Se elas gargalharem... é uma coisa completamente diferente...

Ficou claro?"

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Por quê?

Uma desgraça acomete toda a humanidade. Um meteoro se choca com a Terra! Suas proporções, porém, não causam uma explosão significativa, mas afundam o teto de um opala 84 estacionado na Avenida São João. Ele traz formas de vidas minúsculas - bactérias, vírus, entre outros - extremamente nocivas à raça humana. Doze minutos após a queda, 98% da população do estado de São Paulo é vítima desses microorganismos. É uma morte dolorosa. Os últimos vinte minutos apresentam tosses com muito sangue e ânsias de vômito que queimam de dentro pra fora.

Algumas pessoas parecem imunes às novas doenças e não apresentam nenhum sintoma, porém ninguém identifica o motivo dessa resistência. O desespero toma conta do mundo inteiro, e em pouco mais de 24 horas existem casos reportados em todos os cantos da Terra. Quem não é contaminado acaba sendo assassinado pela euforia que toma conta da humanidade. Com a notícia da epidemia - mais do que isso, de sua velocidade e crueldade - as pessoas em todo o planeta começam a viver como se o mundo fosse acabar. Em poucos dias a raça humana é praticamente extinta.

Há apenas uma esperança. A única sobrevivente dessa desgraça está grávida. Ela encara com dificuldades os 7 meses de gestação restantes - sonha com a criança todas as noites. Enquanto carrega o futuro de sua raça no ventre ela percorre tudo ao seu alcance - caminhando até a exaustão diversos dias - em busca de outro homo sapiens. Nada. Por vezes delira, sofre com a solidão, mas deposita toda sua energia e esperança naquele bebê que habita seu corpo e se reanima.

Chega o grande dia. Ela dá a luz solitária e sofre com a dor do parto. Tem uma tesoura na mão para cortar o cordão umbilical. Finalmente, quando a criança que parece arrancar-lhe a alma com as unhas deixa seu corpo, ela pode contemplar sua prole. Olhando aquele pequenino ser, todo envolto em sangue, gritando por não saber mais o que fazer, ela se dá conta de um detalhe. Sua vida passa diante de seus olhos. Ela se recorda de todos os homens e mulheres que passaram por sua existência e de todas as marcas que deixaram. Seus olhos correm de um lado para o outro como se assistissem a uma partida de tênis. Tornam-se úmidos e vermelhos.

Ela respira fundo. Olha o sexo da criança e, antes mesmo de cortar o cordão umbilical, crava a tesoura no próprio peito e se mata.

terça-feira, 17 de junho de 2008

A única pessoa que acreditou nessa história...

- Foi assim:


- "Alô?

- Alô, quem fala?

- Você quer falar com quem?

- Com alguém... tô precisando conversar...

- E você liga assim pra qualquer pessoa?

- Sim. Você tá ocupado?

- Tô no trânsito. Não posso ficar falando que vou levar multa.

- Tudo bem. Isso é típico mesmo.

- Típico?

- É... típico de homem... Nunca podem parar um minuto pra ouvir uma mulher desabafar...

- Olha, acontece que eu tô ocupado agora...

- Claro claro... os seus problemas sempre vêm antes. Eu entendo...

- Mas eu nem te conheço! Que maluquice é essa?

- Não me conhece né? Mas se tivesse me visto num barzinho ou numa festa isso não seria nenhum problema... Vocês são todos iguais mesmo...

- Que papo. Você tá drogada?

- Como você é grosso. Não pode parar pra me ouvir por 5 minutos? Eu tô precisando conversar.

- Se eu levar multa você paga?

- Aff... que cavalheiro.

- Ai Meu Deus.. Tá bom. Me diz. O que que tá acontecendo? Qual o teu problema?

- É a Ritinha...

- Que que tem a Ritinha?

- A gente tá juntas há um tempo, sabe? E eu queria assim...

- Vocês estão juntas??? Como assim? Vocês namoram?

- Namorar não, mas a gente tá ficando faz um tempinho, sabe?

- Sei! E o que que a Ritinha te fez?

- Então, ela quer que a gente saia com o Felipe, mas eu não gosto dele. Ele é um porco. Eu queria que fosse outro cara...

- Outro cara? Que outro cara?

- Sei lá, qualquer um menos o Felipe. Um cara legal, bonzinho, gente boa, sabe? Não o cretino do Felipe...

- Te entendo querida. Fala direitinho com a Ritinha. Quem sabe eu posso te ajudar a conversar com ela?

- Ai jura?

- Claro. Eu sou psicólogo, trabalho com terapia de casais.

- Ia ser o máximo! Você parece ser legal! Como é seu nome?

- Carlos. E o seu?

- Luiza. Olha, a Ritinha chega do ensaio à tardezinha. Vai passar aqui na agência pra me pegar e a gente podia tomar um chopinho, que acha?

- Ensaio? Agência?

- É... ela é madrinha da bateria de uma escola de samba daqui da zona norte. E eu trabalho numa agência de modelos... A moça ouve barulhos de buzina, freada brusca e xingos pelo telefone - Tá tudo bem?

- Tá, tá... quase bati o carro aqui. Então, como eu encontro vocês?"

...

- Daí a gente marcou, eu fui lá e comi as duas!

- Claro, claro.

- Duvida?

- Nãããão... a vida é assim mesmo!

- Se duvida então toma! Liga pra ela agora!

- Dá o telefone que eu ligo! Pergunto o quê? Você é a doida que ligou pro Carlos pra arrumar uma transa por telefone?

- Pergunta o que quiser. Porra, ela ligou de número não identificado...

- Ah, vai te foder Carlinhos...

...

Era a quarta vez que Carlos contava a história e não convencia. Nem seus amigos mais chegados conseguiam o esforço necessário pra acreditar nisso que mais parecia um conto de fadas urbano. Passava por mentiroso, daqueles que gostam de contar vantagem. A riqueza de detalhes com que narrava só dava um ar mais fantasioso pra maluquice toda. Após perceber que era impossível o contato com as misteriosas e bissexuais estranhas, Carlos começou a fazer expedições de busca na zona norte da cidade, em todas as escolas de samba que encontrava, em busca da mulata que o desconcertara na outra noite. Como disso não surgia nenhum efeito, passou a procurar a modelo maluca que havia desencadeado aquela história sem nexo em sua cabeça com aquele telefonema absurdo. Nada. Teria sonhado aquilo? Ritinhas e Luizas voavam suavemente por entre todas as suas idéias, fixas. Com o tempo o próprio Carlos passou a duvidar do que ele mesmo chamara de melhor noite da sua vida. Perdeu noites de sono, emagreceu, voltou a beber. Durante um dia qualquer, no mesmo horário daquela peculiar ligação, seu celular toca com a mesma informação de número não identificado. Ele atende. Uma voz feminina diz alô sem tempo pra mais nada. Carlos começa um apelo desesperado, pedindo um contato, um abraço, uma troca de olhares que seja. Diz que é capaz de tudo por outra noite daquelas - a melhor de toda uma existência. Quase chora. Emocionado, sente um frio na espinha quando a mulher que o ouvia responde a sua súplica.

Aquele calafrio que a gente sente quando faz uma merda.

Era a mulher dele.