quarta-feira, 28 de maio de 2008

Conflito de gerações

- Parabéns pra você...

Eram uns 14 ou 15 na mesa. As palmas não se entendiam com ritmo algum.

- ...nesta data querida...

Uns com orgulhos nos olhos, outros nem tanto.

- ...muitas felicidades...

Juninho enrubrecia.

- ...muitos anos de vida.

E foi assim a música inteira. Com direito a um "com quem será?" de encerramento. Festa de aniversário em restaurante é legal porque parece que veio um monte de gente te prestigiar. Na verdade é um monte de gente que acha isso tudo um saco, que só quer ter uma boa refeição e um pouco de sossego; um casal em busca de um jantar romântico, outro querendo acalmar os montrinhos levando-os para fora de casa, enfim, todo mundo que não estiver celebrando a tal data acaba achando aquilo ridículo.

Mas Juninho estava feliz. Tinha entrado na faculdade, feito dezoito anos, tirado carta de motorista, livrado-se de quase todas as acnes que o perturbavam no colégio e até arrumado uma namoradinha mais ou menos. Uma coleção de pequeninos sucessos que parecem enormes na sua idade, e que faziam brilhar os olhos dos pais. A mãe, triunfante, olhava para as outras mulheres lá de cima, gigante, vendo seu filhinho tão querido sendo ovacionado, causando inveja em todas as outras mães, pelo menos à sua vista. E como é doce esse sabor. O pai, que sentia apenas orgulho, quase engasgou quando ouviu:

- Grandes merdas.

- Que é isso, pai?

- Grandes merdas, ué!

Jairo, o avô do protagonista, tinha tomado lá umas boas três ou quatro taças de vinho e tinha estado quieto até então. Era sisudo, falava pouco e tinha o hábito de olhar por cima dos óculos. A mãe do garoto imediatamente ordenou providências do seu marido, dizendo-lhe um monte de coisas só com os olhos. Poucos tinham ouvido as palavras àsperas do patriarca e tudo ainda estava sob controle. Liliam, a namorada do homenageado, propôs um brinde.

- Um brinde ao...

- GRANDES MERDAS!

- Heim?

Nada Liliam, nada. O filho tapara a boca do velho com a taça de vinho tindo recém enchida pela quinta ou sexta vez. Ele a bebia com sobrancelhas em riste e olhos expremidos, enquanto coçava a espessa costeleta branca. Taciturno. Seu neto, pelo contrário, irradiava felicidade. Cada inspirada sentia o doce e apimentado aroma daquele espírito (de porco?) que circunda todos os adolecentes que pensam que vão mudar o mundo quando entram na faculdade.

- Discurso! Discurso!

O garoto, relutante, convence sua vergonha e ergue os braços pedindo a palavra. Os agitadores se calam aos poucos e centram nele suas atenções, ao mesmo tempo que vários coadjuvantes curiosos, com suas refeições alheias, decidem contemplar a cena. O ruído do ambiente desaparece paulatinamente. Por dois segundos pode-se ouvir um grilo. O discursante toma ar, enche o peito de orgulho e...

- GRANDES MERDAS!

O grilo de novo. Algumas risadas ouvidas ao fundo, risadas contidas. O que, vô?

- Grandes merdas, ué... Faculdade que custa mais de mil e quinhentos reais... Qualquer imbecil entra! Aliás, pagar isso numa escolinha só imbecil mesmo...

- Mas vô...

- Tirar carta tudo bem, tem que aplaudir mesmo. Quantos exames eu tive que pagar pra esse salame? Uns oito? Quem tinha que comemorar aqui sou eu... devia ter comprado a carta antes...

As risadas começavam a pular para outras bocas, pra outras mesas. O menino sentia-se acuado pelo discurso do avô, assustado, envergonhado. Seus olhos começavam a umidecer além do normal. A mãe, há pouco tão cheia de triunfo, murchava silenciosamente em sua cadeira por um buraco de ódio que aquilo causava em seu peito. Não conseguia pensar em como reagir. Olhava para o marido que olhava para os lados, em busca de uma providência divina; um terremoto, um relâmpago, qualquer coisa. Só uma pessoa conseguia falar naquela hora.

- As espinhas, é pra rir né? Moleque feio desses, tá com a cara que parece areia mijada. A namoradinha dele não parou de olhar pros primos, pensa que eu não vi? Deve tá de olho em outra coisa, porque se olhar pra cara dele...

Liliam suspirava alto, pasma com o poder de observação do velho. Tentou dar de ombros, tentou demonstrar indignação, mas não conseguir reagir. Trocou olhares com o namorado que não mais continha algumas lágrimas. Seu projeto de sogra soltava ódio com força pelas ventas. Um primo começou a rir. Uma tia também.

- Mimaram demais esse moleque. Aí, já vai chorar. Nem parece homem. Só faltou pedir um bailinho de aniversário. Festa em restaurante... é cada mico.

Foi quase uma ordem. Juninho levantou enxugando o rosto em direção ao banheiro. Seus soluços eram ainda mais altos do que as gargalhadas que começavam a reproduzir-se como bactérias. Volta aqui filhinho. A mãe levantou correndo ao seu amparo, parando somente para encarar o sogro que destruíra com excelência a noite de sua única prole. Braços na cintura, bufando alto.

- E também, de que adianta? Mais um advogado no mundo. Ô raça que só presta pra entupir o inferno...

- Acontece, seu Jairo, que o Juninho não entrou na faculdade de direito. Ele vai fazer publicidade, tá bom?

- Ah, é publicidade?

- É!

- Grandes merdas...

5 comentários:

Dedinhos Nervosos disse...

hahahahaha
Se fosse meu avô falaria: o que raios faz de verdade um publicitário? Engana os outros como os advogados? hehehe

Diogo Melo disse...

Hahahahahaha !!!

Sinceridade em garrafa, safra de 1945.... ótimo ano !

Bok disse...

Hahaha..

Como diria o ícone JOÃO KLEBER ...

BEM BOLADO!

Anônimo disse...

O gato ou o Quico?

Anônimo disse...

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