quinta-feira, 6 de março de 2008

A São Paulo das oportunidades

Um carro parado no farol em uma esquina de São Paulo. Um homem bem vestido, de terno com risca de giz e gravata combinando com a camisa, aproxima-se da janela do motorista com uma pequena garrafa com água e um rodinho de pia. O motorista, desatento, não compreende.

- O quê?
- Pode lavar o vidro aê, chefe?
- Como assim?
- Lavar o vidro do carro por um trocadinho. Vai aê?
- Ué! Mas você faz isso da vida?
- Sim! É um dos serviços que prestamos aqui na área. Vai aê?

O motorista, perplexo com a cena, o personagem, o diálogo em si, pergunta: Quem prestamos?

- Eu e meus colegas de rua. Nos sindicalizamos e montamos uma empresa para melhor atender nossos clientes nos faróis da Grande São Paulo.
- Puxa.
- Aqui ó! Fica com meu cartão e com esse panfletinho imobiliário.
- Brigado. Mas por que eu precisaria do teu cartão?
- Caso encontre algum farol por aí que precise dos nossos serviços é só entrar em contato que mandamos um representante. Oferecemos diversos serviços. Vamos lavar esse vidro aê?
- Não obrigado. Lavei o carro essa manhã.
- Hmm. Bala de goma? Halls? Chiclete?
- Não, não. Obrigado.
- Amendoin torrado? Água gelada?
- Não... O motorista começa a olhar o semáforo do cruzamento, contando os segundos. Tá no verde ainda... bosta!

- Vamos fazer um cartão de crédito?
- Não sabia que vendiam cartões de crédito no farol.
- Estamos diversificando! Somos pioneiros nesse mercado. Quer um suflair?
- Não, obrigado.
- Alho!? Carregador para celular? Matrícula em faculdade de direito?
- Não não não...
- Show de malabares? Piada de português? Também atuamos na indústria do entretenimento...

- Não obrigado. Olha, o farol abriu. Obrigado pelo seu atendimento, disse o motorista esticando o braço pra fora com algumas moedas na mão.
- E isso é pra quê? Perguntou o vendedor, alcançando a mão do cliente, contando as moedas discretamente com os olhos enquanto o outro respondia "Uma ajudinha", de dentro do carro.
- O senhor tá pensando que eu sou o quê? Estou trabalhando aqui. Não preciso de esmolas! Mas o farol estava aberto havia alguns segundos, e o carro arrancou. Junto com o ronco do motor e das buzinas impacientes, foi possível ouvir na voz do motorista um certo descaso na palavra "maluco".

O comerciante juntou as moedas - R$0,80. Achava uma falta de respeito contra toda uma classe de trabalhadores, uma caridade hipócrita e nojenta, em suas palavras. Olhou para o lado e viu uma senhor em cadeira de rodas pedindo dinheiro no outro semáforo do mesmo cruzamento. Pensou em dar-lhe as moedas, mas guardou-as no bolso. Vai que preciso de troco...

2 comentários:

Diego Moretto disse...

Há!
Não duvido se topo com uma pessoa dessas na rua. Recentemente conheci um senhor q eh motorista de bus, e trabalha só de terno e gravata. Aí perguntei o pq, e ele me responde assim: Pq ninguem q veste este tipo de roupa eh melhor doq eu...
e é uma verdade!
abs!

Diogo Melo disse...

0,80 centavos por uma noite de sono com a consciência limpa em meio a tanta sujeira e podridão.


Até que não é um negócio tão ruim...