terça-feira, 26 de junho de 2007

Só mais um...

Walter nascera para ser sombra. Era medíocre no sentido literal da palavra. Nunca se destacara em nada, tampouco se esforçara para tanto. Colecionava insucessos no vazio pálido de sua existência insossa.

Pessoas como Walter tendem a ter uma adolescência traumática. Viram alvo de brincadeiras que elas mesmo nunca fariam, o que faz nascer uma espécie de revolta, bem como um desalento pelo mundo e seus habitantes. Isso colocava Walter numa espiral de desgosto, misturada com raiva e vergonha.

Mas de todas as vexações que a vida reservava só para ele - como ele mesmo sempre repetia - a que mais detestava era ser "o cara". Nunca era chamado pelo nome, por quem quer que fosse.

- Você que é o cara do celta branco, né?
- Isso seu Gilmar. Por quê?
- Porque você não soltou o freio de mão e bloqueou a vaga do 21.

Era sempre isso. O cara do celta branco. O cara que levou fora da sujinha na sexta série. O cara que apanhou do geléia. O cara que era a cara do cara que eu não lembro o nome. Era uma sucessão de títulos, troféus pelo seu anonimato.

Mas chegou o dia em que Walter Soeiro Sales da Cunha fez-se ouvir. Marcaria o país, não, o mundo com seu nome. Não faria algo brilhante, de forma alguma. Faria algo trágico, talvez hediondo. Seria um divisor de águas na história recente da humanidade.

E foi assim que numa manhã de segunda-feira, Walter decidiu ser o primeiro homem bomba brasileiro. Explodiu-se num parque de diversões, matando crianças e mulheres, um horror. Usou tantos explosivos que seu dramático bilhete suicidade nunca pode ser restituído. Seu corpo nunca foi identificado.

Alguns dias depois, na empresa onde trabalhava, a conversa não poderia ser outra.
- Você viu quem morreu?
- Quem?
- O cara do financeiro...

Um comentário:

Climão Tahiti disse...

Opa, um blog de contos.

Muito bom, dos tipos que mais leio =D

Adicionado nos meus RSS.

E muito engraçado o conto, mesmo porque meu padrinho - falecido. - era funcionário de banco e se chamava Walter. =/

Só não morreu com bomba, graças a Deus... Ou não.