segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Dois terços

É uma manhã de sol. Ricardo e Fernanda - cunhados - estão sentados à beira da piscina da casa dela, rindo da vida boa que levam, conversando futilidades. Rogério, o marido, se aproxima e fala aos dois:

- Eu vou indo pra firma agora. Ligo pra vocês mais tarde. Quem sabe a gente almoça junto...

- A gente se fala. Eu já já tô indo embora também, responde o irmão, de olhos fechados, esticado na espreguiçadeira.

- Dá um beijo aqui amor. Bom dia pra ti - Fernanda diz com um forte sotaque gaúcho.

Beijo nos lábios, aperto de mão. "Tchau tchau" repetem os dois em coro. Passam alguns segundos e, percebendo que não há mais perigo, Ricardo se aproxima de Fernanda, sussurrando.

- Ele já sabe?

- Ainda não... não consegui falar com ele.

- Mas precisa. Não pode passar de hoje, você sabe...

- Fica tranquilo que eu vou falar com ele.

Ele a beija carinhosamente - Você é um amor, ele diz. Ela sorri - "E você é um maluco..."

Passam mais alguns minutos juntos até que Ricardo se despede. Preciso ir agora, tenho umas coisinhas pra resolver também." Fernanda segue relaxando, tomando seu banho de sol, quando seu celular toca, assustando-a levemente.

- Oi amor.

- Oi meu querido.

- Ele tá aí ainda?

- Acabou de sair - diz ela baixinho, certificando-se que Ricardo já saíra.

- E então? Conversou com ele?

- Não consegui. Ele foi embora logo depois de você. Mas acho que ele desconfia...

- Bom, tenta falar com ele ainda hoje. Quanto mais a gente demora com isso, mais complicado fica. A gente tem que resolver isso logo.

- Fica tranqüilo meu amor. Eu falo com ele no almoço. Liga pra ele e diz que você ficou preso no serviço.

- Ok. Depois me liga e me conta.

- Tá bom meu anjo. Beijo. Te amo!

- Também te amo linda. Beijinho.

...

- Muito boa a comida aqui, não?

- Uma delícia!

- Você queria me falar alguma coisa?

- Você trouxe o que eu pedi?

- Trouxe sim. Tá tudo nessa pasta. Você falou com ele?

- Falei. Hoje à noite todo mundo em casa, às 11. Tem certeza que tá tudo aqui?

- Tenho, tenho. Na sua casa? Tem certeza que é uma boa?

- Eu sei o que eu tô fazendo meu querido - ela diz encarando-o bem nos olhos, puxando a pasta para si.

- Sabe é? Ele pergunta com a voz vindo de dentro do seu copo de uísque - Pois eu tenho minhas dúvidas.

- Agora é tarde pra ter dúvidas. Agora você precisa é ter coragem! Eles riem e terminam o almoço como dois amantes, com beijos rápidos, olhando sempre ao redor, com medo de olhos conhecidos. Cada um entra no seu carro e vai pro seu lado. No primeiro farol, ela envia uma mensagem ao celular do marido: "Tudo pronto meu amor. Hoje é o grande dia. Te amo!"

- Alô, querida?

- Fala rápido amor... Tô dirigindo!

- Você não sabe...

- O que foi?

- Descobri a combinação do cofre!

- Descobriu?? Como meu amor?

- Depois te conto... é melhor não conversar essas coisas por telefone... só queria te dar a notícia!

- Que maravilha meu amor! Recebeu minha mensagem?

- Recebi sim! Mal posso esperar! O que foi que ele disse?

- Te conto tudo hoje em casa, meu amor. Tô dirigindo..

- Tá bem, meu anjo! Um beijo!

- Outro! Te amo!

...

O primeiro a chegar em casa foi Ricardo. Conversaram na cozinha por alguns minutos quando ele, até então contido, avança até Fernanda com beijos no pescoço, abrindo seu vestido. Ela se entrega às carícias selvagens do cunhado por alguns minutos, quando o contém dizendo que seu marido não demoraria. "Ele não pode saber de nada, você tá louco?" Aperta sua bochecha com a mão e lambe os lábios de Ricardo, beija-os, e o empurra em seguida.

Cerca de 30 minutos depois chegou Rogério. Cumprimentou a esposa e perguntou por Ricardo. "Tá no banheiro" disse ela apontando em direção ao lavabo próximo à cozinha.

- Ele desconfia de alguma coisa? Rogério, sussurou aos ouvidos da esposa, puxando-a para junto de

si pela cintura.

- De nada meu amor. Absolutamente nada! Respondeu Fernanda, trocando sorrisos com o marido, beijando-o carinhosamente nos lábios.

- Tá ótimo, meu anjo! Vou tomar um banho e já desço, ok?

Ela respondeu com um "hã-rã", enquanto passava os olhos pelos vinhos do bar, à procura de algum que combinasse com a noite. Abriu um "Casillero del Diablo".

...

São 11 horas da noite quando Fernanda diz "Podem acender as luzes". Ela veste um roupão que deixa seu colo provocativamente exposto, com um decote que realça seus seios grandes e firmes. Ambos a contemplam fascinados como se nunca tivessem visto tanta beleza ou sentido o gosto daquela pele. Seu cabelo, um pouco desarrumado, voa suavemente com a brisa e - por mais freqüente que isso seja quando se mora em uma cobertura no décimo sexto andar - a graça da cena enche de ternura o coração de Ricardo, sempre romântico. Rogério admira suas pernas - grossas, macias e bronzeadas - lembrando do momento que as beijara pela primeira vez. Cada um deles em um canto no quarto, também de roupão. Ela, fria, olhando ora para um, ora para outro, saca dois revólveres e aponta para a cabeça de cada um deles. Ambos se vendam.

- Agora não tem mais volta. A gente tem que por um fim nisso - ela diz rompendo o silêncio no qual só se ouvia a brisa assobiando pelas janelas entreabertas. Onde estão as cartas?

- Aqui - dizem ao mesmo tempo. Cada um deles tira do bolso um calhamaço de folhas com anotações do próprio punho.

- Apaga a luz Ricardo. Eu prefiro de luz apagada.

- Eu te amo, Fernanda - ele diz enquanto tateia a parede em busca do interruptor.

- Eu te amo, querida - diz Rogério com carinho na voz.

As luzes se apagam fazendo com que os sons desenhem a cena. Ela respira fundo. Um tiro. Um corpo cai. Um beijo.

E só ela sabia de tudo.


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Inspirado na cabeça doentia de Fábio Straccia

2 comentários:

Wagner disse...

nossa!!! fiquei surpreso com o fim do texto!

muito bom!

M. disse...

Que sacanagem, inventa o resto pra saciar minha curiosidade? :D