quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Conversa de bar



De todos os filósofos (leia-se bêbados) na mesa, Gerson era, como sempre, o mais sábio (leia-se bêbado).

- Aqui tinha que ser que nem no Oriente Médio - Roubou, corta a mão do cara! - com a palavra corta sendo enfatizada com um golpe de caratê da mão direita no punho esquerdo.

Antes que alguém pudesse argumentar, Gerson continuou:

- É por isso que essa merda de país tá nessa merda! Todo mundo faz o que quer e não pega nada, NADA! Pra mim tinha que ser assim: roubou corta a mão, estuprou corta o pau...

Felipe, terminando o chope, interveio:

- E quem compra carteirinha da OAB? A gente corta o quê?

Ricardo e Juninho caem na risada, o primeiro engasgando com o chope, que quase escapa pelo nariz.

- Isso é um crime sem vítimas, não machuca ninguém... E aliás, é só burocracia. Nem quero advogar, meu negócio é ser juíz.

- E isso é um crime sem vítimas? O país inteiro vai sofrer com isso, tendo esse exemplo de cidadão no judiciário - Juninho, acendendo o cigarro no canto da boca, rindo com os olhos para Ricardo que quase engasga denovo.

- Bota um som aí, Mané!

- Já vai... Já vai...

- É disso que eu tô falando - Ricardo chama a atenção de todos apontando para as três morenas que acabaram de entrar no bar - Ah, eu amo o verão...

- Mas então, tinha que ser assim. Leis e punições rigorosas! Pena de morte pra quem matou! Esses desgraçados tinham que pagar na mesma moeda. Mil vezes ter um ou outro homem bomba se matando por aí do que neguinho telefonando de dentro da cadeia mandando explodir ônibus e matar gente na rua.

- Olha a bunda da de vermelho... Meu Deus...

- E o decote da do meio...

- Nada mal, né?

Ficaram alguns segundos quietos contemplando o trio de morenas recém chegadas, cada um com seu sonho secreto mais pervertido que o do outro. O silêncio foi cortado por Ricardo:

- Porra Mané, bota um som aê!!!

- Já vai... Já vai...

- Então já trás mais duas pra gente, gritou Juninho, ainda com o cigarro no canto da boca.

- Acho que meu negócio é ir pro legislativo. Botar ordem nessa bagunça pela raíz - Dessa vez Gerson falou um pouco mais alto pra tentar impressionar a trinca de beldades, que sequer esboçaram a menor reação ao seu comentário.

- Mas cara - Felipe botando o copo na mesa - esse tipo de radicalismo nas leis nunca viria sozinho. Tem uma série de mudanças culturais que são causas e conseqüências disso. Já parou pra pensar nisso?

- Por exemplo?

- Tá, no Iraque roubou, cortou a mão... Falou palavrão, cortou a língua, beleza... Mas as mulheres lá andam todas cobertas de pano, só se enxerga os olhos delas e olhe lá. Imagina um verãozão como esse, você sentado num boteco e entram três morenas daquelas enroladas numa manta. Nenhuma sainha curta, nenhum peitinho. Sequer um umbiguinho de fora. E daí? Qual a graça de viver nesse país???

Os três gargalham, enquanto Felipe continua:

- E então? Se você tivesse que escolher entre um país com leis rigorosas onde ladrão de galinha perde o braço ou um país em que as gostosas pagam peitinho e usam mini-saia no verão? Qual você prefere? Não se pode ter tudo cara...

- É... aquela de branco é muito gostosa...

- Muuuuuito - Juninho diz soprando fumaça.

Finalmente a música começa, disparando um grito de "aêêêêêêê" da mesa. Entra Caetano com sua voz suave "Isso aqui iôiô, é um poquinho de Brasil iáiá...

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