quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sobre o papel da Comédia...


George Carlin, em uma das suas apresentações na década de 90, começou um dos seus shows dizendo algo do tipo: Porque será que a maioria das pessoas que são contra aborto são pessoas que ninguém quer foder de jeito nenhum? Chris Rock, em 96, apresenta um quadro bem polêmico, fazendo piada de racismo entre negros. Já em 2000 e pouco, Bill Maher menciona um show promovido pelo partido republicano, e termina dizendo que “a última vez que os republicanos tiveram tantos negros em um palco, estavam vendendo eles!”

Qualquer uma dessas piadas seria encarada com polêmica e muitos processos aqui no Brasil hoje. Talvez até passassem em branco também na década de 90 – naquela época as pessoas fumavam na televisão, a palavra bullying só existia em inglês e ninguém sabia o que era. A Marlboro anunciava livremente e quase ninguém era orientado a beber com moderação.

Mas hoje em dia não. Hoje em dia, aqui, essas piadas todas seriam polemizadas, tiradas de contexto, manipuladas, levadas ao ridículo. Hoje em dia qualquer um pode se ofender com qualquer coisa. Muitos que se dizem religiosos, por exemplo, se ofendem com manifestações LGBT, mostrando um comportamento mesquinho e preconceituoso, completamente avesso às palavras de seus profetas. Mas a merda é que isso cola, porque a homofobia vem sido espalhada faz tempo aqui, por religiões, grupos de direita, etc...

Já o problema como as piadas do Rafinha Bastos sobre APAE, sobre aquela que eu esqueci o nome, ou ainda aquela história do Danilo Gentili (que não tenho certeza se é fato mesmo ou mito virtual) do tweet sobre o king kong, esse problema é outro. Primeiramente, as piadas são sem graça. Um pênalti cobrado pra fora. Um humor sem nenhuma proposta ou propósito. A Comédia, que possui uma força gigante de mexer com o status quo de uma sociedade, é aqui exercida da sua maneira mais pobre, mais politicamente correta possível. Além disso, a maioria das pessoas não entendeu a piada. Tecnicamente falando. Porque uma vez que você entende a piada, você pode até achar a piada sem graça, mas não te desperta ódio, revolta, complexo, nada. É uma piada que não te fez rir, como uma história que te contam no elevador e você esquece. É a mesma lógica do apelido que a gente tem quando criança: se você se preocupa com ele – não entende aquilo como uma brincadeira, como uma piada – ele vai te perturbar pra sempre. Você não supera. Se você consegue olhar para aquilo e achar graça, você tem um problema a menos pra sua vida.

Mas pensa bem: uma piada que fez uma pessoa levantar de casa e mudar a rotina dela. Uma piada, que sequer contaram pra ela. Pensa bem. Lembra um pouco a história – que todo mundo aqui teve a cara de pau de achar absurda – das charges feitas na Dinamarca em 2005 e 2006, sobre Maomé. Muçulmanos saíram tacando fogo em embaixada. Eu acho que, o que te leva a botar fogo numa embaixada, ou a procurar a justiça, é uma energia da mesma origem, só muda o tamanho do pavio. Se você entende a piada, você consegue separar a figura do narrador da figura do autor. Não é porque a pessoa está dizendo aquilo que realmente pensa daquela forma, ou sequer está encorajando aquela linha de raciocínio. Mas aqui a gente não pode deixar nada nessa linha tênue – porque aqui, marcha para discutir a descriminalização da maconha vira apologia às drogas.

A tevê brasileira está na fase do humor de bordão, ensaiado, sem muito improviso, que avisa quando tem que rir pra facilitar. Nossos humoristas são, em maioria, muito ruins. E aí, no pequeno grupo que entende a piada, você tem especuladores, que a removem do contexto tratando-a como algo absoluto e atribuem a ela o valor que querem, como alguns fazem com a bíblia. A piada, ou a performance artística de um show em Stand-up, acima de tudo que propõe, passa uma mensagem. Essa mensagem tem um contexto - por mais sem graça que seja a piada - muito trabalhado pelos comediantes. Eles desenvolvem uma linha de raciocínio e brincam com a expectativa dos ouvintes. Alguns, mais metódicos, ficam reestruturando as piadas da sua apresentação de maneira a manipular o clima e o contexto da melhor forma.

Frases ou piadas, retiradas do seu contexto, podem ter qualquer sentido. E se tornam alvos fáceis pra qualquer um que adore um buchicho, um vuco-vuco. Como os árabes, na mídia americana, que foram responsabilizados pelas atrocidades cometidas por um norueguês, branquelo, que atirava em seus irmãos pois eles não eram puros o suficiente. De novo aquela ideia de alguém nascer melhor do que alguém.

Enfim, é uma pena que exista muito mais público e mercado para todas essas especulações idiotas do que para um humor inteligente e de qualidade. E fica o voto para que os nossos comediantes sempre se expressem da maneira mais livre possível, divertindo e irritando suas audiências. E, claro, com piadinhas melhores do que as idiotices que temos visto ultimamente. Haja claque!