sábado, 15 de março de 2008

A lista

Um casal conversa em voz alta, cada um num cômodo da casa. Ela pinta as unhas de lilás no banheiro enquanto ele mexe em algumas gavetas no quarto. Tudo muito dia-a-dia.

- Querida, você viu a conta do meu celular?
- Não. Já olhou no criado-mudo?
- Já...
- Na cômoda?
- Também não tá.
- Vê se eu não coloquei na minha bolsa por engano.
- Oquei!

Ele vai até a sala em busca da bolsa da mulher que tem bolinhas de algodão entre os dedos dos pés e está completamente focada em sua pequena vaidade. Ele tenta em vão achar algo útil ao seu universo dentro da bolsa da esposa. Ela, só tira os olhos dos dedos quando percebe o marido em pé à porta do banheiro chacoalhando um papel ao som de um ríspido "O que diabos é isso aqui?".

- Isso aqui o quê, querido? ela responde, tentando ganhar tempo percebendo a besteira que fez ao deixá-lo fuçar em seu porta-segredos.
- Prós e contras dele! Que merda é essa?
- Ah! É uma brincadeira que eu tava fazendo com as meninas.
- Brincadeira? Número um: ronca feiro um porco...
- Deixa isso pra lá, meu butuco. Ela tenta um gesto de aproximação, mas recua ao perceber que o esmalte ainda está fresco. Estava ali havia horas e não era uma briguinhha besta que ia botar a perder todo o trabalho de uma manhã de sábado.

- Sua demais quando transa?
- Às vezes só. Larga isso butuquinho, vem cá!
- Bronco? Sobrancelhas grossas demais e sempre desarrumadas? Muitos pelos nas costas? É assim que você me vê? Um porco peludo e suado sem boas maneiras? Sua voz ficava cada vez mais alta e ofegante.

- Magina, tutucho. Era uma brincadeira que a gente tava fazendo e...
- Não sabe dançar. Não se dá bem com a minha família. Bebe demais. Grita e bufa muito. Eu te envergonho?
- Claro que não meu amor. Larga isso e vamos...
- Mal gosto pra se vestir!
- Que tal se a gente...
- Meio mosca-morta!?
- ...tomasse um...
- Pinto meia-boca? Os gritos do marido reverberavam nas paredes do banheiro, seguidos de longos arquejos de ar.

- Pinto meia-boca? Peraí! Deixa eu ver essa lista.
- Toma! diz o marido arremessando a folha, balbuciando resmungos incompreensíveis enquanto ajeita suas sobrancelhas no espelho.
- Porra! Essa lista aqui é da Ritinha.
- Quê?
- Essa lista é da Ritinha. Sobre o Alberto.
- Pois parece a tua letra.
- E é a minha letra. Ela ia falando e eu anotando. Bem que eu achei esquisito...
- Tem certeza? Ele tira a folha das mãos da mulher que lhe parece muito convicta no seu discurso. Esses pontos positivos aqui não condizem com o Alberto.

- Como assim?
- Ganha bem e acredita em tudo o que eu falo. Ele é manobrista de um estacionamento e vive dando porrada nela de tanta desconfiança.
- Ah zuzinho, isso aí já é problema deles né?
- Sei...

Mas finalmente o esmalte secou e ela pôde abraçar o marido e confortá-lo com carinhos, dando o problema por solucionado. Ele pediu desculpas e prometeu comprar-lhe um vestido novo para irem a um casamento naquela noite. Ela, quando estavam saindo para a compra do regalo, perguntou:

- Você vai sair na rua assim?
- Assim como?
- Nada Marcelo. Esquece...

8 comentários:

Leandro Luz disse...

Muito bom o texto!!!

Abraço

Dedinhos Nervosos disse...

Pobre Marcfelo.. na boca de povo. hahahaha

Paulinha Costa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Adorei, queria poder ficar lendo maissss, isso aqui vicia! Bjs

Unknown disse...

Tão verdadeiro!!!

Thiago da Hora disse...

eu tenho vontade de bater em pessoas que tem dessas de falar apelidos como "butuquinho" e cia.

e no que dá na cabeça de uma pessoa que pensa tanta coisa negativa assim do companheiro??? seria possível existir gente assim?

Diego Moretto disse...

O Marcelo é o típíco hetero do século XXI.... coitado...pinto meia boca foi foda!
kkkkkkkkkkkkkkk.

Diogo Melo disse...

Bom e velho complexo de Édipo...