sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Vem fácil, vai fácil...

Seu Nogueira, homem simples, humilde, trabalhador, bêbado e inofensivo. Chegava sempre em casa "encharcado da marvada" como ele mesmo definiria com muita propriedade. Suava a camisa como carregador no Mercadão de São Paulo para trazer o dinheirinho para sua família. Dinheiro que entregava todo na mão de Dona Neuma, dona da casa.

Era quase Natal, e Dona Neuma preferiu não arriscar o dinheiro no Bingo Vila Matilde dessa vez. Foi para o centro velho da cidade comprar presentes para a família - Só umas lembrancinhas pras criança num ficar triste. Chamou sua atenção uma roda de pessoas, um pequeno tumulto, no viaduto Santa Ifigênia.

- Jogou 10 leva 20! Jogou 10 leva 20! Quem vai? Quem vai? Quem vai?

Se aproximou e viu um homem com 3 copinhos de metal virados pra baixo e uma bolinha, pousados em um jornal em cima de uma caixa de madeira. Entre as pessoas ao seu redor, conversas paralelas:

- O cara é ligeiro!

- Tem que ficar esperto, vacilou já era.

- QUEM SABE ONDE TÁ A BOLINHA? JOGOU 10 LEVA 20! Sua voz se sobressaía.

Dona Neuma parou pra observar. Viu um homem jogar 10 e levar 20, e logo em seguida o mesmo homem jogar 20 e perder tudo. Ele praguejou e foi embora. Outro jogou 20, levou 40 e foi embora feliz. As pessoas davam dicas, se alvoroçavam a cada lance. De repente o homem das bolinhas virou para Dona Neuma e perguntou:

- A senhora aí! Onde tá a bolinha? Bota 10 e leva 20!

Ela tinha certeza que a bolinha estava no copinho do meio. Só podia estar no copinho do meio. Mais forte do que ela foi o impulso de sacar a nota de 10 da carteira e apostar - No copinho do meio.

- Acertou! Levou... Táqui seus 20 minha senhora. Quem mais? E continuou o jogo que parecia muito fácil.

Um moleque de 16 anos mais ou menos foi ousado - Apostou 100! Achou a bolinha, levou 200 e foi vibrando seguindo seu caminho no seu dia de sorte.

Dona Neuma se empolgou e, num lance fácil o homem desafiou: Quem sabe agora? Quem sabe joga 100! Se jogar 200 leva 500! E começou a contar seu calhamaço de dinheiro!

Dona Neuma, veterana de bingo, que não é boba nem nada se apressou - Aqui, 200! No copinho da esquerda! Olhou para a carteira, sacou o dinheiro, deu na mão do crupiê de rua e, quando levantou o copinho, para sua surpresa a bolinha não estava lá. Seu dia acabou ali.

Mas o dia de Toninho só estava começando. Depois de Dona Neuma foi um engomadinho de gravata, um playboyzinho de bermudão e óculos escuros, mais duas senhoras cheias de sacolas da 25 de março nas mãos até os "hómi" aparecer e Toninho pagar sua gangue de laranjas e tomar seu rumo.

Ali mesmo, no centro, procurou uma amiga que pudesse resolver seu problema mais urgente - Sexo. Do viaduto Santa Ifigênia até a Avenida Ipiranga era um pulo, e lá, Roseane - uma negra de lentes azuis, pernas grossas, barriguinha pouco saliente de fora e 34 anos que mais pareciam 44 - se ofereceu para ajudá-lo num preço bem razoável.

- 10 o boquete e 20 o pograma.

- Bora então que eu quero é sé-qui-sso.

- Então vamo pra pensão da Martinha.

A pensão da Martinha era conhecida por todas as profissionais da região, mas não por todos os clientes. Chegaram e subiram direto para o quarto, que não fedia muito. Lá dentro uma cama de solteiro, um criado mudo com uma gaveta faltando, cortinas rasgadas, uma garrafa de pinga e dois copos. Roseane serviu dois copos de pinga, os quais um Toninho bebeu depressa e o outro fez com que Roseane derrubasse, ao empurrá-la com força na cama. Ao virar de barriga pra cima Roseane já encontrou Toninho sem calças, pronto pra coisa. Abriu as pernas, subiu a saia, riu, bocejou e esperou. Em 5 minutos Toninho estava desmaiado. Não se bebe a pinga da Martinha.

Roseane pegou todo o dinheiro de Toninho, pagou o quarto e saiu. Tinha problemas para resolver. Precisava passar no Brás e comprar umas roupinhas novas, mas isso podia esperar. Perto da estação da Luz ela conhecia o Ricardinho, o traficante de crack mais honesto da região. Era realmente confiável, tinha aprendido a malandragem da rua mas não conseguia enganar ninguém. Seu coração era muito bom.

E no lugar de sempre, lá estava Ricardinho, como um catador de papelão, sujo, fedido, com roupas rasgadas e sua caçamba com algum papelão em cima. Aprendera que esse era o melhor disfarce para um traficante de droga no centro de São Paulo. Os policiais tinham nojo de revistá-lo e alguns até acreditavam na sua idoneidade. Só precisava se acostumar com o próprio cheiro, o que não demorou muito. Estava sentado na calçada, fumando um cigarro, olhando o movimento da rua. Viu Roseane chegando, era uma de suas clientes freqüentes. Não vendia pra quem não conhecia. Discrição era a palavra-chave desse negócio.

- E aê mocinho? Tudo bão? E foi logo dando a marmita que trouxera para Ricardinho.

- Tudo. Abriu a marmita, viu a nota de 50 em cima da comida, confirmando a encomenda. Olhou pra ela, tragou o cigarro e disse - Já volto. Era de poucas palavras.

Ela aguardou cerca de 5 minutos que pareceram 15. Fingiu estar no seu ponto para não levantar suspeita. Ricardinho veio em sua direção, derrubou uma caixinha de papelão no meio do caminho, fez o conhecido sinal de sobrancelha e voltou para sua caçamba de papelão. Roseane pegou seu presente caído no chão, sorriu e sumiu da vida de Ricardinho por provavelmente uns 2 dias.

No fim do dia Ricardinho tomou seu banho na Martinha e voltou pra casa com 400 reais. Pensando na vida. O dinheiro era fácil mas ele queria por um fim naquilo. Ele queria ter um trabalho digno, construir uma família, ter uma casinha simples - mas sua, brincar com os filhos na rua no fim de semana, enfim, mas nunca soube por onde começar. Não via saída pra sua rotina de marginal. Foi quando, no trem, uma voz alta, rouca e em tom agressivo rasgou seus pensamentos:

- Pensem bem irmãos! Não é isso que Deus quer pra vocês. Ele quer o bem, o sucesso, a fartura para todos seus filhos. Façam sua parte e ele fará a dele. Tenham fé, acreditem na força do senhor. A Bíblia diz em Provérbios 3:9 “Honra ao Senhor com os teus bens, e com as primícias de toda a tua renda.” Ele não pede muito! Só pede o que já é dele! Seria esse um preço injusto pela felicidade, pela realização, pela benção do Senhor??? Pensem bem irmãos...

Ricarinho prestara atenção nessas palavras e fitava o padre, pastor, bispo ou sabe-se lá o que com atenção. Suas palavras tinham comovido-o. Seus olhos estavam vermelhos por lágrimas - não por drogas - pela primeira vez em anos. Algo tinha alcançado lá dentro, mexido com ele. Seus messias era Mendonça, pastor da Igreja Universal da Benção do Coração de Jesus Cristo com a Graça de Deus - também conhecida como Igreja do Aguiar. Mendonça, ao ver as lágrimas nos olhos de Ricardinho - sinal de presa fácil - se aproximou em voz baixa, quase como um pai que quer entender o choro de uma criança:

- Meu filho, isso que eu falei é pra você! O Senhor quer o seu sucesso, sua felicidade. E eu percebo que hoje, HOJE, você se abrirá para a palavra do Senhor.

Ricardinho chorou. Chorou como criança, soluçando. Contou a história de sua vida para Mendonça, que só conseguiu prestar atenção até a parte na qual Ricardinho mencionara ter ganho 400 reais vendendo drogas. Ali sua cabeça se perdera em cifras e cifrões.

- Meu filho, eu quero que você conheça nossa igreja. Você desce comigo e nós vamos até lá. Vou fazer com o Bispo Aguiar em pessoa converse com você. Você tá com fome? A gente para pra comer alguma coisa...

- Nossa pastor, muito obrigado. Vamos sim! Eu quero mudar minha vida. Eu levo essa vida porque não tive alternativa, mas eu quero essa benção do Senhor, que o senhor tanto fala. Eu tenho um coração bom seu...

- Mendonça, meu filho. Pastor Mendonça...

E a vida dele mudou, como a de todos.

Dona Neuma nunca mais confiou em jogatina de rua.

Toninho nunca mais tomou a pinga da Martinha.

Roseane nunca mais fez ponto no mesmo lugar.

E Ricardinho ficou 400 reais mais pobre. E agora ele vende crack no centro da cidade, mas está com Deus.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do seu blog, interesante e engraçado! Bjuuu e bom findi!

Legalmente Celle disse...

hhahahaah eu ja vi essa parada da bolinha, lá na Av. São João, como o povo é besta né? tudo armado! sempre o moleque q ganha mais é o comprado, enfim...
Bjussssssssss

Anônimo disse...

HAHAHA, gostei desse! Maior manjado esse joguinho, né.....